Querias desesperadamente mudar o mundo.
Não suportavas as
injustiças, não conseguias ver uma discussão na rua que já querias aplacar
todos ao teu redor, não podias ver um mendigo com uma criança nos braços que
todo o teu dinheiro lhe deixavas sem tampouco ponderar.
Eu admirava-te.
Admirava a tua força, a tua coragem, a tua resiliência. Admirava a capacidade
que tinhas de acreditar em dias melhores, na justiça e na paz.
Abominavas a
guerra. Eras feminista. Não permitias que nenhuma mulher fosse insultada ou
assediada na tua presença.
Gostavas de causas humanitárias. Gostavas de ajudar
o próximo. Querias cuidar de todos.
Querias desesperadamente mudar o mundo e foi assim que te foste esquecendo da vida dentro das nossas paredes. Nós não existíamos. Havia sempre alguém mais necessitado de carinho, alguém a quem a fome precisava de ser saciada, alguma marcha a favor dos direitos humanos na qual devias
participar.
Deixaste de viver para ti. O mundo precisava de ti. Tu não
precisavas de mais nada.
Deixamos de conversar. Mesmo quando dormíamos lado a
lado, eu sentia um vazio enorme no meu peito, e nem todo o calor do teu corpo
aquecia o que em mim tu havias gelado. Deixaste de sonhar. De fazer planos.
Nunca mais falaste na aliança. Nunca mais pensaste em crianças geradas no teu ventre.
Tínhamos um jardim
enorme, outrora repleto de flores e cores, mas tu deixaste de regar o nosso jardim e eu troquei as flores pelas dores... e comecei a plantar a solidão e a tua ausência.
Um dia, fizeste as malas. Disseste algumas palavras, não
me recordo delas sequer. Irias partir em missão. Não sei se ficaste de voltar,
mas nunca mais te vi chegar. Nunca mais. Deves ter dito que já não me amavas, ainda antes de fechares a porta, mas eu só conseguia ouvir o meu coração a partir-se, e
esse som abafou tudo o resto.
Deixei-te partir.
Não lutei. Não chorei. Afinal,
eras apenas uma pessoa que eu costumava conhecer...
Às vezes sinto saudades tuas e da tua energia, da tua vontade desesperada de mudar. Não foste capaz de
exterminar a fome no mundo, mas deixaste o meu peito morrer pela fome de ti.
Letícia Brito
2 Comentários
Belo texto, cara amiga. Bate fundo no íntimo dentro de nós.
ResponderEliminarObrigada, Jorge! Que bom que a minha escrita vai surtindo esses efeitos em quem me lê!
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