As relações começam e acabam pelos
mais diversos bonitos, a toda a hora, e é algo que não podemos controlar. Mas o
amor nunca acaba. Então quem fica com o amor quando acaba a relação?
Alguém tem de guardar o amor,
alguém tem de o manter, de o cuidar, mesmo depois do fim. Porque o amor não é
um objeto, não podemos simplesmente ignorar a sua existência. Podemos maltratar
o amor, mas não podemos largar-lhe a mão e esperar que parta sozinho.
Às vezes, as pessoas não são fortes
o suficiente para manterem as suas relações, e as relações terminam apesar do
amor, mas nunca pela falta dele, porque de cada vez que amámos, é para sempre. Então
se o amor não acaba, quem o guarda?
As pessoas apagam o número de telemóvel,
rasgam as fotografias e colocam as músicas numa playlist triste que só voltam a
escutar quando estão demasiado deprimidas, mas não se esquecem, não podem
simplesmente dizer que não amam mais porque amam para sempre. Só que o tempo acaba
por tirar o amor da vista, vamos esquecendo os seus traços, e quando damos por
nós já não sabemos a que sabe o amor. Sabe a qualquer coisa que fica adormecida
numa cama que preferimos não deitar. Sabe a qualquer coisa esquecida que nem
queremos voltar a lembrar.
Cada amor é único, excecional. Alguns
amores são maiores que outros. Há os amores de conto de fadas e há os amores
pautados pela solidão, há os amores não correspondidos e os amores incompreendidos,
há os amores que se escondem e há os que gostam de se mostrar, mas não há amores
que acabam. Há, pelo contrário, pessoas que vão esquecendo, que o vão impedindo
de respirar dentro de si, até que não reste mais nada, além do pó do que um dia
foi o amor.
Não podemos apenas matar um
sentimento que brota em nós de modo tão puro, é contra a natureza do amor, no
máximo dos máximos, podemos fingir que já não nos diz nada, que já não ligamos,
nem queremos saber, mas nunca, jamais, de modo algum, matá-lo. O amor não morre.
Nós aprendemos a refazer a nossa
vida apesar do amor, aprendemos a amar outra pessoa apesar do amor, aprendemos
a seguir em frente apesar do amor. Pela falta dele? Jamais, não me tentem
enganar.
Quando as relações acabam,
acredito que alguém tenha de ficar responsável pelo amor, quase como num
divórcio, o amor é o filho cuja custódia precisa ser partilhada.
Quando as relações acabam,
arranjamos um T0 no nosso coração, no lugar mais remoto possível, preferencialmente,
numa montanha demasiado alta, para que o amor tenha vertigens, e se mantenha
dentro de quatro paredes, inalcançável, solitário e fechado.
Porque se o amor não acaba e não o
podemos matar, precisamos de o guardar. Alguém tem de o fazer, alguém precisa
ficar com o amor. O amor fica do lado de dentro, no sítio dos perdidos e
achados, numa praia deserta, numa rua sem movimento, ali. Só. Na esperança de
que alguém o encontre – isso, quase nunca acontece ao amor que é guardado, mas
o amor é sempre crente.
O amor que se guarda é quase como
o vizinho da porta ao lado, muito silencioso, muito contido e envergonhado, que
só nos lembramos que existe quando nos cruzamos com ele no elevador.
Não faz sentido, nem é justo ou
bonito, mas o amor não é para ser nada disso, o amor é para sempre, mas se não pode
ser visto ou desejado, as pessoas aprendem a guardá-lo. Sabem que ele existe, pelos
motivos que já expliquei, mas guardam-no do lado de dentro. Fora do alcance. Colam-lhe
um post-it colorido com um aviso de
que não deve ser tocado, e ninguém mais lhe toca.
As relações terminam, mas o amor não.
O amor fica. Só os pés mudam de direção. Só os caminhos se tornam paralelos. Podemos
ver o outro, mas não nos voltamos a cruzar. É a lei óbvia dos amores para
sempre. O amor permanece à espera de que o deixem ver o sol outra vez, ou apenas
vai perdendo as forças pela fome do outro, do que já não se recupera, e lentamente,
muito lentamente, vai deixando de respirar. Até ser pó no sítio das coisas que não
damos por certas na vida.
Letícia Brito
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