Rui, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita? Escrever sempre foi uma forma de me refugiar e permanecer num mundo só meu. Por isso foi tão difícil partilhar esta obra. Sempre que tinha um bocadinho de tempo livre, escrevia textos ou frases que guardava só para mim. A determinada altura entendi que precisava de escrever a história que deu origem ao livro «A vida numa cicatriz», que tem nele muito de mim, daí a dificuldade que sentia em a dar conhecê-lo. 

São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles com que mais te identificas? Há, de facto, um amontoado de sentimentos que nos assaltam e que nos invadem. Como bom português que penso ser, os sentimentos de saudade, nostalgia, amizade e paixão, são aqueles que sobrepõem a todos os outros.

O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa? A escrita faz-me, sobretudo, sentir mais completo e livre enquanto indivíduo. Quando escrevo entro num mundo só meu, onde não me são colocadas barreiras ou marcadores sociais, sou livre para trilhar caminhos que só o pensamento nos permite. À medida que vamos escrevendo, vamo-nos conhecendo um pouco melhor e com isso aprendemos a lidar melhor com o mundo, com a sociedade.

E enquanto escritor, o que tens aprendido? Penso que a maior aprendizagem está no reconhecimento do poder que a escrita tem. Na sua capacidade de criar sentimentos em quem lê algo que foi escrito por nós e na multiplicidade de sentimentos, tão diversos e tão díspares, que lhes consegues conferir. Alguém disse que os livros são a prova que o homem consegue fazer magia. E, de facto, a escrita é o veículo que nos transporta da realidade para mundos de ilusão em que nos podemos refugiar ou aventurar enquanto lemos.

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso? Um pouco das três, mas, neste momento, sobretudo um passatempo. Escrever «A Vida Numa Cicatriz» foi uma necessidade, porque sentia que precisava passar para o papel o que sentia à cerca de parte da história que a sustenta.

Licenciaste-te em Solicitadoria, foste Presidente e co-fundador da Associação de Conservação do Meio Ambiente, fundada em 1992, e deputado municipal em 1996. Estas áreas tiveram alguma influência na tua escrita? Eu acredito que nós somos o somatório de todas as vivências que vamos experienciando ao longo da nossa vida e tudo aquilo que fazemos acaba por se repercutir no nosso percurso e na nossa forma de estar e de ser enquanto indivíduos. A licenciatura em Solicitadoria deu-me sobretudo, uma nova forma de olhar as situações e de as entender. Tive a fortuna de conhecer e interagir com professores e colegas de uma enorme valia, pedagógica e humana, e isso fez toda a diferença. Já a luta pela defesa dos valores ambientais é algo que estava dentro de mim e a criação da ACMA foi apenas a materialização desses valores. Foi uma experiência única, que me fez crescer imenso. Fui presidente da associação durante oito anos, plenos de lutas e confrontos ideológicos, e que acabaram por me levar até à vida política, onde rapidamente percebi que não era o meu lugar, nem o que pretendia para a minha vida. Foi uma época que modificou a minha percepção do funcionamento da sociedade e isso, reflecte-se, obviamente, na personalidade que vamos consolidando ao longo da nossa vida.

Apesar de a escrita ter estado sempre enraizada dentro de ti, não a partilhavas. O que te motivou a mudar essa realidade? Se apenas dependesse da minha vontade, provavelmente ainda hoje, a obra «A vida numa cicatriz» estaria escondida numa pasta do meu computador, onde permanecia oculta há cerca de quatro anos. Mas quis o destino que ela chegasse ao conhecimento da minha filha e da minha mulher, que depois de a lerem me pressionaram para a levar até junto das editoras, o que fiz e o que me trouxe até este momento.

Iniciaste-te na publicação em julho transato, com o livro «A Vida Numa Cicatriz». Podes falar-nos um pouco sobre esta obra? A obra assenta numa base sustentada em factos, que evolui, tendo em conta a data dos factos, para a guerra colonial, onde se desenvolve boa parte da história. Tudo começa com uma fatídica explosão numa oficina de pirotecnia que coloca um trágico ponto final na relação com dois grandes amigos de Fernando [a personagem principal]. A tragédia marca-o de uma forma profunda e irreversível e uma nova e inesperada amizade nasce desta tragédia com José, ferido na explosão. Fernando é mobilizado para o Ultramar onde é capturado numa viagem de Tite para Bissau, mas consegue escapar ao cativeiro, graças a uma operação liderada pelo Cabo Barreto. Já em Bissau cruza-se com Alexandre, alferes e filho de um abastado portuense, que leva escondido no seu coração o amor que nutre pela sua madrinha de guerra, com a qual irá corresponder-se. E é em Bissau que Fernando encontrará o amor da sua vida: Maguette, uma negra natural do Senegal e empregada de mesa num café. Esse amor vai coloca-lo perante o preconceito do racismo e com todas as implicações que esse preconceito carrega consigo.

Lançaste-te como autor durante uma pandemia. Como tem corrido esta experiência? Tem corrido bem, apesar de todos as limitações e constrangimentos impostos por esta situação de pandemia que enfrentamos. Não foi feita ainda qualquer apresentação formal da obra, nem presencial nem virtual e os contactos com os leitores são quase nulos. Mas no cômputo geral, os resultados têm sido bons.

Como têm reagido os leitores face ao teu trabalho? A reacção tem sido muito boa. O facto de ter vencido os prémios Escolha do leitor 2020 e Romance 2020 na 2ª Gala dos Autores Cordel D`Prata, é a prova disso mesmo. Os comentários e as críticas têm sido muito positivas, o que me satisfaz obviamente. É muito interessante verificar como divergem as apreciações da obra, quer nas personagens, quer na história em si mesma, conforme o grau de conhecimento que têm sobre mim. 

Sabendo que já tinhas a escrita presente antes de a partilhares, tens alguns trabalhos preparados para o futuro? Carlos Heitor Cony disse, um dia, «O escritor é o peixe de mar profundo. O sol não entra, mas ele tem o oceano todo», e é precisamente assim que me sinto. Tenho algumas coisas acabadas, outras iniciadas, que provavelmente acabarão por se tornarem públicas, quem sabe. 

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado? É uma pergunta difícil, uma vez que foram tantos e bons os livros que já li. Releria o primeiro livro da Triologia O Século, A queda dos Gigantes, de Ken Follett. É o meu autor de eleição.

Se tivesses de escrever num género diferente, a qual desafio te proporias? O género infantil é um género que me cativa, apesar de ter um público muito exigente, o que de certa maneira torna o desafio mais interessante. 

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro? De mim podem sempre esperar dedicação, respeito, lealdade e gratidão. A existirem novas obras literárias, creio que não deverão fugir muito do género literário de «A vida numa cicatriz». A ficção histórica, romanceada é o género que mais se adequa à minha personalidade.

Descreve-te numa palavra: Ponderado.

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