Olá, José. É um gosto poder conhecê-lo melhor e apresentá-lo aos seguidores deste espaço; para começar, “foi músico, contabilista, fiel de armazém, militar, despachante de carga e comissário de bordo”, mas atualmente trabalha como musicoterapeuta, assim o diz a sua biografia. Pode falar-nos de como estas áreas tão díspares se interligam na sua vida?
As dificuldades de vida dos Pais originaram que os rapazes da família estudassem o Curso de Comércio, com vista à obtenção rápida de trabalho como contabilistas; mas o ensino de piano da Mãe às três irmãs e a sua prática coral e pianística, funcionou como um curso de imersão musical para mim e meu irmão, com quem cantei no côro da igreja, num quarteto a capella de música ligeira e posteriormente em duo. Após o que integrei um grupo vocal e musical, começando realmente a trabalhar como músico aos 16 anos de idade, entrando dois anos depois para uma empresa, continuando a cantar e tocar. Cumpri o serviço militar obrigatório como miliciano e, na busca da aprendizagem mudei de cidade para estudar música. Impossibilitado de o fazer, fui admitido na TAP como despachante de carga e depois comissário de bordo. Apesar de continuar a escrever canções, ter concorrido a Festivais da Canção e até aparecer num Programa de entretenimento da televisão em 1983, só muito mais tarde me licenciei e tirei o Mestrado em Musicoterapia; este, motivado por interrogações desde os 9 anos até aos nossos dias.

Se, no entanto, precisasse de optar apenas por uma destas áreas, qual seria a eleita?
Uma ligada à autoria, interpretação de música e de musicoterapia e reabilitação.  

“Da freguesia do Socorro, em Lisboa, para a de Cristo-Rei de Algés; de Algés para a de Nossa Senhora do Pópulo, Benguela; de Benguela ao Bié e a Luanda; regressando a Algés, passando por Arroios, São Mamede e São Domingos de Benfica, até pousar em São Julião da Barra, Oeiras”. Os locais onde viveu influenciaram o seu trabalho enquanto escritor e músico?
Sem dúvida que sim; tenho memórias de vida e música tradicional portuguesa, seja de ranchos folclóricos do Minho ou do Algarve cá em Portugal Continental e de pregões citadinos da região de Lisboa; dos cânticos do calendário litúrgico e de fado tanto cá como em Angola, onde nas rubricas de “discos pedidos” ao fim de semana os fados constituíam cerca de 99 por cento das solicitações; de canções ligeiras também cá e lá, além de ter assistido ainda a debulhadas com cantos algo improvisados no Alandroal e, a cânticos angolanos de trabalho, alegria e evocação na região de Benguela, onde cresci e no Bié. 

Como é que surgiu a escrita na sua vida?
Como sou o filho mais novo, ouvi muito do que a família conversava e, Mãe e irmãs exprimiam no piano e canto; ouvia fascinado os folhetins radiofónicos, que me prendiam e me faziam imaginar mundos e realidades inúmeros. Nas redações da 3ª e 4ª Classes desenvolvia um enorme romance esquecendo-me do tempo; quando tocava para sair e para tristeza minha, tinha de acabar abruptamente a história. Por volta dos 16 anos, senti a necessidade de escrever os meus sentimentos, de modo a lê-los e reflectir sobre eles. Não só os meus afectos, como a observação de factos da vida, me levaram a tentar observar-me através do que sentia. Tocávamos muito em bailes, nos quais  conviviam três ou quatro gerações, sendo todos oportunidades de discernir sobre toda aquela riqueza relacional. Também a leitura de banda desenhada seguida de autores da literatura nacional e estrangeira, além da curiosidade pela letras das canções preferidas, me levaram a querer rascunhar as minhas vivências, imaginações e reflexões.


Em 2016 publicou o seu primeiro livro “Canções da Adolescência”. Pode falar-nos um pouco sobre ele?
É o resultado da necessidade de registar as minhas experiências de vida, sua digestão, compreensão e esperançosa transformação em actos. Escrevê-lo, foi como que uma primeira intervenção na mudança.

Como surgiu a ideia para o escrever?
Como duvidava da possibilidade de editar um disco e, já tendo os temas escritos desde a adolescência, decidi arriscar o envio do conteúdo a editoras livreiras em homenagem ao meu filho.

É uma obra que, tal como me referiu inicialmente, é composta por canções que foi escrevendo ao longo da sua vida. O que o levou a decidir-se por este género literário?
Porque nasci e cresci a ouvir também o género de melodia cantada e acompanhada, iniciando a minha expressão desse modo, imprimindo um certo ritmo aos versos e à musicalidade neles implícita. Entretanto, gostaria de ler as minhas redações agora.

Como tem sido a reação dos leitores face a este trabalho?
Já há muito mais tempo, uma leitora epitetou-o de masculino; na Feira do Livro do Porto em 2017 um senhor folheou-o avidamente, perguntando-me logo a seguir e legitimamente pelas músicas. 

Está agora a trabalhar na edição de um CD composto por algumas das canções presentes no seu primeiro livro. Pode falar-nos um pouco dessa experiência?
Foi interessante, pois letras e músicas já estavam há demasiado tempo dentro de mim. A edição do CD faz-me agora revisitar as situações de vida que as originaram, assumindo também hoje uma ou outra compreensão algo diferente da vida. Felizmente o CD já está editado, faltando a sua apresentação formal e ao vivo.

Qual a importância que a música tem na sua vida?
É vital, talvez pela estimulação infanto-juvenil a que fui submetido.

E a escrita?
Está em relação íntima com a aprendizagem pela vida fora.

Se tivesse de escrever noutro género literário, a qual desafio se proporia?
Conto, ensaio, biografia.

Já realizou outros trabalhos no âmbito da escrita? Quais?
Publicados, estão “Musicoterapia Recreativa e Improvisação com Adultos em Unidade de Reabilitação Alcoológica” do âmbito académico e, um Conto “Om Mani Padme Hum” editado de modo resumido.

O que é que o público em geral pode esperar de si para o futuro?
Algum crescimento, combinando melhor talvez algum arrojo e também contenção.

Descreva-se numa palavra:
Silêncio.