A
verdade é que escrever costumava salvar-me. De mim. E do mundo.
Eu
escrevia porque não queria morrer.
Eu
escrevia porque parecia-me a maneira mais fácil e rápida de
enfrentar os meus demónios.
Eu
escrevia porque sabia que a um quilómetro de distancia ou do outro
lado do mundo, haveria alguém que se sentiria como eu e a quem as
minhas palavras ajudariam.
Sou
escritora e tenho a perfeita noção de que escrevo muito melhor
quando estou em dor, porque a dor é uma cena tão natural e tão
comum a todos, que passar o que sinto cá para fora, deixa-me muito
mais perto daqueles que gostam de me ler.
Mas
a dor comeu-me a carne, os ossos, a alma e qualquer sentimento bom
que eu pudesse ter sentido outrora.
Não
havia mais nada em mim além de memórias tristes e vazias, e embora
a escrita fosse o meu melhor refúgio, era na mesma medida, o caminho
mais certeiro para o precipício.
Eu
deixava-me morrer todos os dias, e dava-me até um certo gozo andar
de mãos dadas com o meu lado mais feio.
Se
a minha vida fosse um filme, aquela fase seria a performance mais
chocante de todos os tempos.
Uma
miúda no fundo de uma piscina, com duas pedras gigantes a mantê-la
longe da superfície. Por mais que ela se debatesse para fugir, não
havia alma que a salvasse.
Ela
tentava, e tentava, e tentava. Mas tudo o que conseguia distinguir
era a sua pulsação fraca, as pernas a cederem à força das águas
e o mundo a esmorecer-se ao seu redor.
O
corpo dessa miúda estava a desistir, e eu estupidamente, deixava que
ela morresse sem sequer lhe dar oportunidade de nascer.
Foi
assim que me senti.
E
por mais que eu desejasse puxar essa miúda para o topo e fazê-la
respirar outra vez, estava sozinha de mais para o conseguir.
Então
num dia como outro qualquer, em que o céu chorava a toda a hora,
alguém apareceu. E eu precisava desesperadamente de alguém. Alguém
que me fizesse acreditar que respirar era bom, que não sou feita só
de dor, que o mundo até é bonito, e que se eu tentasse e desse uma
oportunidade à vida, era bem capaz de sentir coisas bonitas
novamente, e escrever coisas tão bonitas como as que sinto.
Quase
enlouqueci no meio da podridão em que tornei a minha vida. Os meus
pensamentos; dolorosos de mais. Os meus sonhos; mortos de mais.
Eu
precisava de acordar e sentir que valia a pena.
Foi
no meio de toda a miséria, que descobri a beleza. O sol amiúde
brilha sempre por entre o negro do céu mais triste.
Se
não resta mais nada da miúda chorosa e depressiva que um dia fui,
então resta-me o meu coração e o meu amor, e a vontade de me
transformar numa poesia bonita. Porque não há nada poético em
deixarmo-nos morrer por medos, demónios ou corações partidos.
Nunca
mais cairei na tentação de alimentar a alma de quem quer que seja
se para isso precisar morrer de fome de mim.
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