Mariana era jovem, tinha um espírito
aventureiro e uma alma livre, mas um dia, apaixonou-se perdidamente por um
rapazinho rebelde.
Ela amava-o de uma forma quase
absurda e perdoava todas as suas incoerências e inconstâncias, mesmo quando as
suas noites eram regadas de lágrimas. Ela amava-o de uma forma exageradamente
verdadeira. Ele roubou-lhe o coração e dezenas de sorrisos. Em troca,
ofereceu-lhe flores e dezenas de dores.
O corpo dela; elegante e atraente. Os
seus olhos; de um verde intenso e devorador, a sua tez; branca como a neve, a
sua alegria; incomparável, tudo isso desapareceu, quando ele foi embora e lhe
deixou o coração vazio e a vida num caco.
O amor afundou, mas a esperança
continuou a flutuar. Restavam as memórias felizes e uma fotografia que nem o
tempo era capaz de destruir. O amor é assim: no início recebemos flores, no fim
terminamos num caixão.
Ela morreu, apenas no sentido
figurado. O corpo dela continuava presente, mas a alma perdeu-se algures num
mundo que ela desconhecia. E tal como em todas as histórias de amor, ele
descobriu que a amava, somente depois de a perder. Mas como isto não é, de
todo, uma história de amor, não esperem pelo final feliz, ao menor sinal de
sentimento.
Depois de ele gozar a liberdade,
navegar noutros corpos e beber de outras fontes, voltou a casa, como um filho
pródigo, e propôs-lhe casamento.
Num altar adornado com as rosas
amarelas que ela tanto adorava, um padre esperava dar início à cerimónia,
enquanto o jovem rebelde e redimido, aguardava impaciente pela chegada da
noiva. Ela chegou. E ele segredou-lhe ao ouvido um amo-te tão verdadeiro que
ela sentiu-se desvanecer outra vez.
Quando precisou confirmar que
aceitava a união, a jovem que era só corpo, ausente de alma ou sentimento,
fugiu do altar e percorreu todas as ruas da cidade. A maquilhagem desbotava com
a chuva que caía ferozmente naquela noite; eram as lágrimas dele.
Ela sujou o véu em poças de lama, e
entrou em todos os bares da cidade, derramou lágrimas enquanto a maioria das
mocinhas da sua idade, se limitavam a derramar cervejas. Dançou até os pés
doerem e incharem e deitou fora o anel de diamantes que reluzia a quilómetros.
Olhou o relógio, por fim.
Ressuscitou. Lembrou-se que ele ainda a esperava no altar e abandonou a festa.
Percorreu a calçada da vergonha com os saltos na mão direita e o ramo quase
murcho na mão esquerda. Dizem que ela voltou para os braços dele e casou
naquela noite. Dizem que a chuva parou - porque as lágrimas dele cessaram. Dizem
que ela foi feliz. Mas como seria um fim demasiado
romântico e cliché para uma história, eu conto agora a verdade.
Ao tornar ao altar, Mariana disse
“sim” e voltaram a casa. Para comemorar a união, derramou champanhe em copos de
cristal, com os quais brindariam. Sem que ele imaginasse, depositou umas
gotinhas de arsénico e deu-lhe a beber, sorrindo, com a alma e o coração em
pedaços, lembrando-se da primeira vez que ele a abandonara e lhe desferira um
golpe covarde na face, e de todas as outras vezes em que se viu obrigada a
chorar em silêncio, enquanto as manchas negras se iam acumulando no seu corpo,
e o seu sangue gotejava das feridas expostas que ele criava e não se coibia de
esfregar com sal. O que eram umas gotinhas de arsénico comparadas à violência
que em silêncio sofrera por tantos anos, por parte do homem que lhe jurara amor
eterno?
Mas ela amava-o. Ou pelo menos,
esforçava-se para acreditar nisso, e como tal, depositou o corpo dele sobre a
sua cama e agarrou-o naquela madrugada, e em todas as outras que se seguiram.
Haveriam de os encontrar muitos anos
depois, abraçados como dois bebés que partilham o mesmo útero, no meio da
podridão que fora aquele amor. Porque se existem amores que nos rejuvenescem,
também existem alguns que nos levam à ruína.
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