Maria Luísa, sê bem-vinda a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita?    Desde muito jovem que escrevia histórias, é estranho, pois as crianças normalmente não gostam de escrever, no entanto, eu divertia-me imenso, sentia necessidade de dar vida ao que era capaz de imaginar e foi na escrita que intuitivamente o fiz. Eu sempre me fascinei por universos góticos, grotescos, fantásticos e pelos contos de fadas. Na minha infância lia todas as histórias de terror e fantasia que encontrava, marcaram-me os contos dos irmãos Grimm e mais tarde fascinei-me também pelas obras de autores como J. R. R. Tolkien, J. K. Rowling, Julliet Marillier, H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe. Encontrei na Literatura um refúgio das vicissitudes da vida, por esse motivo formei-me em Literatura, sempre foi a minha maior paixão. Atualmente, as minhas histórias provêm de sonhos e de estranhas associações mentais. Levei vários anos a aperfeiçoar a escrita, foi um processo que envolveu muito estudo e trabalho árduo.  Durante o processo encontrei a minha própria voz, esta veio a revelar-se um pouco mais sombria e melancólica do que eu esperava. Deriva certamente de uma corrente negra inconsciente que se manifesta na escrita. 

São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles com que mais te identificas?                                                                                                                                       Quando esta obra foi editada senti que tinha uma oportunidade, tive a sorte de encontrar uma Editora que tem uma perspetiva inovadora e deu-me uma hipótese para poder fazer aquilo que mais gosto.  Como autora desenvolvi os mais diversos sentimentos. A preocupação é um sentimento que me assola constantemente. Preocupo-me em passar corretamente certas mensagens aos leitores. Preocupo-me em ser bem sucedida naquilo que faço, pois levo o trabalho de autora muito a sério. Do meu âmago nascem diversos sentimentos, bons e maus, tento usá-los a meu favor e aplicá-los às histórias que crio, pois quando escrevemos sobre situações que de alguma forma já experienciámos a descrição torna-se muito mais realista. Em “Contos do Sobrenatural” uma personagem bate com a cabeça, um leitor ao ler a sensação que descrevi disse-me que era muito real e que quase podia sentir a dor. É muito interessante terem mencionado a passagem nesses termos, porque uns dias antes de escrever o conto eu tinha batido com a cabeça num ferro de um baloiço de jardim.

O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?                                                                            A escrita permitiu-me desenvolver pensamentos mais complexos, tornei-me mais observadora, reparei que muitas coisas podem ser ditas não só através da descrição de espaços e personagens, mas também através dos outros sentidos. Dei por mim a sonhar mais vezes acordada. Arrisco-me a dizer que passo metade dos meus dias a escrever e outra a viver dentro das histórias que estou a desenvolver. Penso muito sobre todas as possibilidades de enredos, personagens e situações que podem nascer das histórias.

E enquanto escritora, o que tens aprendido?                                                                                  Aprendi a dar importância aos pequenos pormenores e que a escrita pode ser sempre melhorada. O melhoramento da escrita aprendi principalmente na universidade nas disciplinas de Escrita Criativa, muito antes de começar a escrever para o público. É importante que o leitor não tenha a noção do quanto o autor se esforçou para obter aquele efeito, de forma a manter o encantamento que uma boa leitura pode proporcionar.

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?                    A escrita faz parte de mim, é fundamental para o equilíbrio da minha mente como dizia Clarice Lispector: “Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo”.

Licenciaste-te em Línguas e Literaturas na variante de Literaturas e Artes e concluíste o curso de Mestrado em Criações Literárias Contemporâneas. O que te levou a enveredar também por esta área no campo profissional? Terá sido a paixão pela escrita?                                                           Foi sem dúvida a paixão pela escrita e pela literatura. Nunca tive dúvidas sobre o caminho que queria seguir. Deixei-me guiar pelo meu coração, sabendo das consequências boas e más que daí poderiam provir. Na Universidade de Évora tive a oportunidade de aprofundar os meus interesses e a sorte de ter encontrado uma professora fantástica, a Professora Maria Antónia Lima, com quem partilho os mesmos interesses e que se prontificou a escrever o prefácio de “Contos do Sobrenatural”. Os seus ensinamentos foram de valor inestimável. Durante o meu percurso académico a minha escrita não só se aperfeiçoou como também adquiriu contornos mais sombrios. 

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Em março lançaste a tua primeira obra “Contos do Sobrenatural”. Este livro reúne uma série de histórias de cariz misterioso e obscuro. Podes falar-nos um pouco sobre esta obra?                          É uma obra marcada por acontecimentos estranhos e descrições oníricas. As personagens são errantes, andam à deriva de si próprias. Explorei as emoções e a subjetividade, portanto são personagens que não têm lugar dentro da realidade do mundo que nós conhecemos, daí a questão do sobrenatural. O sobrenatural é um dos elementos comuns das narrativas góticas, que se conjugam com outros para representar o terror, neste livro tentei tornar o sobrenatural o elemento principal, assim, sobressaem os acontecimentos fora da ordem natural e os mundos terríficos. Procurei ainda representar problemas atuais que considero preocupantes. Acredito que é importante expor questões desta natureza através da escrita, seja ela de que género for. A escrita tem um papel fundamental na exposição dos problemas da sociedade. O mundo está cada vez mais desumanizado e a sensibilidade individual acaba sempre oprimida. Nestes contos através da criação de situações de terror e fenómenos sobrenaturais, trato alguns desses problemas, como a depressão, a loucura, a solidão, a exclusão social, a pobreza e o afastamento do homem do meio natural.

O que te inspirou a escrever este livro?                                                                                                Inspirei-me principalmente nas ideias do Romantismo, nomeadamente no Romantismo Negro, um subgénero do Romantismo, que analisava o lado mais sombrio da condição humana e tinha uma ideia do mundo mais obscura e complexa. Os escritores e artistas do Romantismo Negro tinham uma predisposição para os temas mais sombrios com elementos do Grotesco. O Romantismo pronunciou-se contra o excesso de racionalismo da Ciência, focando-se sobretudo nas emoções, na intuição e na imaginação. A essência deste movimento era preexistente, porque o espírito do Romantismo é muito antigo, os indivíduos é que ainda não tinham a experiência deste sentimento por estarem demasiado absorvidos pela realidade. “Contos do Sobrenatural” mostra que lógica e a razão são insuficientes para explicar os mistérios e os enigmas que envolvem as personagens. Conjuguei a condição trágica do homem, o sobrenatural e o insólito e criei algumas situações perturbadoras e inquietantes, posso dizer que são estes os ingredientes principais deste livro.

Podes partilhar connosco um pouco do processo de escrita da tua primeira obra?                        Ao construir estas histórias explorei uma técnica de escrita mais concisa, influenciada pela leitura de alguns escritores norte-americanos. A concisão provém dos autores mais conhecidos  de contos de terror, nomeadamente de Edgar Allan Poe, que teorizou sobre esta forma de escrita, pois permite que o os contos sejam lidos sem pausas o que aumenta o medo e a estranheza, que são os efeitos desejados. No caso da minha obra, que se sinta sobretudo a estranheza e o desconforto dos acontecimentos.  Escrevi “ Contos do Sobrenatural” enquanto desenvolvia a minha tese de mestrado, que se centrou no Romantismo Negro, em Edgar Allan Poe e Tim Burton, assim o cinema foi também uma grande inspiração para as minhas histórias. O cinema negro de Tim Burton marcou a minha visão sobre o mundo e por essa razão os meus contos têm um forte poder imagético. Quando comecei a criar “Contos do Sobrenatural”, eu pretendia construir uma obra que se caracteriza-se por uma escrita enigmática e obscura, que envolvesse a obra em grandes mistérios.

Como têm reagido os leitores face ao teu trabalho?                                                                          Muitos leitores sentem que as histórias acabam rápido, ficam muito absorvidos pelos acontecimentos macabros e são surpreendidos por desfechos fatais e inesperados. O que muitos leitores podem não saber é que este efeito foi propositado, embora não seja uma forma de escrita comum, considero que é uma técnica bastante interessante. Existe na sociedade uma ideia errada de que escrever bem é escrever muito, com palavras difíceis e frases muito requintadas. Esta ideia pode, por vezes, chegar até a ser contra o conhecimento. Na escrita a dificuldade e o desafio está em conseguir escrever de forma simples situações complexas. Contudo, nas histórias que tenho vindo a desenvolver depois destas, não exploro tanto a técnica da concisão, mas continuo a manter a minha escrita contemporânea e acessível ao maior número de leitores possível. É interessante para mim conseguir contar histórias de várias formas diferentes, sem nunca perder a essência da minha escrita. Há uns dias um leitor reagiu de uma forma um pouco bizarra à obra “Contos do Sobrenatural”, estava com receio em ler os contos, mas quando iniciou a leitura não parou até chegar ao final do livro, no fim disse ter ficado com sabor de sangue na boca. Fiquei surpreendida  com esta reação. 

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?            Escolher um livro para ler para o resto da minha é uma tarefa quase impossível, um escritor conhecido, já não me recordo qual, uma vez disse que escolher apenas um livro era como escolher apenas um membro ou órgão do corpo. Se eu tivesse de arriscar escolheria o clássico alemão Ondina, de Friedrich de la Motte-Fouqué, publicado em 1811. É um conto de fadas extremamente artístico, que trata a história de um espírito das águas que se casa com um ser humano e recebe uma alma humana. No fim Ondina regressa ao seu meio sobrenatural de onde veio e só pode voltar de lá uma única vez para cumprir um dever terrível. É uma história com fim trágico, tremendo e fascinante. Se tivesse de comparar esta obra a um órgão, seria sem dúvida, o coração. É um conto apaixonante, que me tocou profundamente.

Se tivesses de escrever num género literário diferente, a qual desafio te proporias?                         A literatura que faço contém um pouco de todos os géneros que gosto fantasia, terror, ficção sobrenatural e um pouco da técnica do fluxo  da consciência. Esta técnica tenho vindo a desenvolver especialmente na nova obra. No entanto, escreveria sem dúvida um livro infantil que abordasse questões importantes, é um dos meus desejos mais secretos. Acredito que algumas pessoas não iriam compreender como uma autora que é adepta da narrativa gótica, poderia escrever para crianças. Apesar disso penso que as conseguiria surpreender.

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?                                                          Podem esperar mais obras em breve. Espero surpreender os leitores com as histórias e os mundos que crio.

Descreve-te numa palavra:                                                                                                                    Sonhadora.

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