José, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar:
Como é que te iniciaste na escrita?
Agradeço, em primeiro lugar, pela forma como me têm tratado ao longo destas poucas semanas em que colaboramos. Espero que seja, acima de tudo, uma relação simbiótica. Isso quer dizer que estamos a viver um momento de viragem na forma como vemos o mundo e lidamos, mesmo profissionalmente, uns com os outros.
Respondendo à questão. Indo buscar as minhas primeiras memórias, confesso que o mundo da arte sempre me encantou. Comecei desde criança a ler e ainda mais cedo, segundo as histórias que me contam, a vibrar muito com a música. De uma forma romanceada, posso dizer que sempre respirei arte. Do sentir para o fazer foi um saltinho. Levar a escrita a sério é que demorou algum tempo. Gostava de rabiscar, de apontar ideias e de usar a escrita de forma catártica, mas só no ensino básico é que me apercebi de que podia, através das palavras, transmitir a minha visão do mundo. Até ao meus 18 anos tive a sorte, devido ao emprego dos meus pais, de lidar e conhecer muitas pessoas, de absorver conhecimento. Entre essas pessoas estão dois seres humanos excepcionais que me marcaram de forma profunda através dos seus actos e palavras de sabedoria. Recordo, era eu uma criança com 8 ou 9 anos, de uma dessas pessoas, o Professor Raul Coias, trazer da sua casa resmas de papel para eu desenhar. Sempre que me lembro da forma como ele promovia o conhecimento e o pensamento me arrepio. A outra pessoa foi a minha professora no ensino básico, a Professora Sérgia, uma pessoa extremamente culta que sempre soube cativar e motivar os alunos de forma extraordinária e que me conseguiu impactar de tal forma que despoletou em mim o desejo de mostrar publicamente o que eu escrevia. Muitas pessoas tiveram impacto no meu percurso, mas estas foram as que despoletaram esta loucura de escrever. (Digo-o desta forma porque escrever é pensar e nos tempos que vivemos, pensar é um vislumbre de tempos idos – que de facto não é assim há tanto tempo.) Depois da descoberta da catarse, passei a gostar do acto de escrever, depois de gostar passei a querer moldar as palavras e as frases, depois de as moldar quis acrescentar-lhe uma ideia, a partir daí o desejo de criar e de esmiuçar o mundo tornaram-se a minha motivação. Pensar, racionalizar, instigar o leitor a questionar e apresentar um mundo que pode ser diferente são agora o meu foco principal.
São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles com que mais te identificas?
Em todos os livros que escrevi existe uma premissa diferente. Cada premissa teve origem em vários sentimentos. Do primeiro, Caminhos, passando pelo segundo, Sementes do Pecado, para o mais recente, Essência, existem sentimentos transversais que despoletaram essas premissas. Aquele que é mais notório em todos é o descontentamento, sendo que outros também influenciam muito, como a revolta e a nostalgia. Tudo isto leva ao pilar daquilo que tenho escrito até agora: a necessidade de mudar para alcançar um estado de união entre o mundo, o animal e a razão. Alcançando o homem o equilíbrio, creio que é possível alterar um pensamento na cabeça do leitor, podendo vir a influenciar o futuro do nosso país. Sou um sonhador.
O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
O acto de escrever, por si, não mudou nada, porém, ao escrever, entro num estado de profunda inquisição perante o mundo, as sensações, os sentimentos, as pessoas, e inevitavelmente, ao raciocinar, ao tentar alcançar uma resposta mais ou menos definitiva para as minhas questões, acabo por me elucidar em relação a quem eu sou. Posso afirmar, com alguma segurança, que o processo de escrever me tornou uma pessoa mais elucidada sobre o mundo, sobre quem sou, sobre os meus defeitos e sobre as minhas valências e deu-me um entendimento da sociedade que, a meu ver, me seria impossível ter se não escrevesse. Questionando ao escrever levou-me a questionar instintivamente o que acontece no meu dia-a-dia, permitindo-me agir em conformidade com os conhecimentos que fui adquirindo ao longo do caminho. Acima de tudo tornei-me uma pessoa mais elucidada e com capacidade de avaliação. Neste momento, estou muito mais interventivo porque tenho visto pessoas a abraçar os mesmos ideais que eu descobri no meu processo criativo. Enquanto escritor é meu dever dar voz a todos os que não a tem e lutar para que um dia todos possam, não só ter voz, mas também para que a usem de forma elucidada promovendo não a igualdade, mas a justiça e o bem-estar social comum
E enquanto escritor, o que tens aprendido?
No seguimento da questão anterior, sinto cada vez mais, que me é impossível dissociar o homem, do escritor. Primeiro, porque acredito que a honestidade do sentimento só é alcançada se o escritor e o homem forem um, e para mim a honestidade do sentimento é o que faz com que o leitor se identifique e seja tocado pela escrita. Segundo, porque vivemos num mundo de frieza constante. Quem escreve, sabendo que tem um megafone nas mãos, entende perfeitamente que tem um papel social muito importante e é determinante na forma como os leitores veem o mundo. Eu não quero viver num mundo de autómatos. Uma vez mais, honestidade do sentimento. Terceiro, de que me serve escrever e não assumir as minhas ideias? Já chega de despersonalizar! A despersonalização só leva ao entorpecimento do pensamento e consequentemente ao controlo da população. Não quero mais Futebol, Fado e Fátima.
Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Penso, sinceramente, que é impossível escolher uma das três hipóteses. Tudo na vida muda, assim como o papel da escrita na minha vida. Foi uma necessidade ao início, e aí nem lhe chamaria arte, por ser fruto dos acasos na minha vida. Passou depois a ser um passatempo, onde ao mesmo tempo me refugiava. Agora, não sei se diga que é parte de quem eu sou, porque sou muitas coisas e defino-me de muitas formas: acção-reação. Arrisco dizer que, neste momento, a escrita é fruto daquilo que ela me deu. É um meio transmissor de ideias e uma paixão. É arte. Sem intenção, a arte não existe.
A música é considerada um dos teus maiores prazeres e inspirações. Esta área tem alguma influência na tua escrita?
Com muita pena minha, nunca aprendi um instrumento a 100%, mas mais uma vez, fruto dos acasos (para mim são acasos, para os meus pais foram escolhas), sempre vivi rodeado de pessoas com dom musical. O fado sempre foi cantado na minha família, a guitarra e a viola sempre fizeram parte da minha infância. Estive integrado em alguns corais, aprendi o básico na bateria e até toquei em alguns momentos. Isso influenciou a forma como vejo o mundo e a forma como o sinto. A música é, para mim, uma forma de sentir intensamente, que se pode aliar a uma letra e a uma voz transmissora. Tenho prazer em ouvir música. Dá-me liberdade e é uma lufada de ar fresco no meu dia a dia e influencia muito, pois é o meio que privilegio para sentir o mundo. Através do sentimento que a música transmite consigo dar forma às minhas questões, passando depois a tentar resolvê-las entrando nos estado inquisitivo que falei numa das questões acima.
Iniciaste-te na publicação em 2015, com o livro de poesia “Caminhos”. O que te inspirou a escrevê-lo?
Neste momento, Caminhos, é um retrato de inocência. É também o ponto de partida para ideias que eu agora exploro. Assumi Deus como o mote para várias indagações, bem como uma segurança. É um trabalho de sentimento e de catarse onde, no papel, explodi o que me transtornava. É um livro onde um menino escreve o que o atormenta e que tenta fazer-se ouvir para que algo mude, numa sociedade cada vez mais surda para as questões das crianças.
Em 2017 avançaste com a edição de um ensaio “Sementes do Pecado”, um género muito distinto daquele em que te iniciaste. Adaptas-te com facilidade aos diversos géneros literários ou requer muita pesquisa e esforço?
Acima de tudo, ao explorar-me e ao explorar o mundo, acabo por explorar outros géneros literários. Acredito que a poesia serve um propósito e que a prosa serve outro. Podemos dizer exatamente a mesma coisa, mas dependendo da forma como escrevemos, fazemos o leitor sentir-se de formas diferentes. Eu sinto que não me adapto, mas que vou quebrando as barreiras, ideais e preconceitos tornando-me assim mais conhecedor do mundo e de mim próprio. Enquanto treinador e professor é essencial que me conheça para que possa ensinar de forma imparcial instigando a criança a pensar. Sementes do Pecado foi, no seguimento de Caminhos o conhecer o mundo numa perspectiva decadente. Todos temos momentos depressivos e todos, em algum momento da nossa vida, já pensamos que viver não nos ajudaria em nada. Uma vez mais, a figura de Deus esteve presente, mas apenas como uma resposta. Sementes do Pecado é a exploração do lado oposto da poesia e do mundo. É um ensaio sobre a depressão e sobre o mundo juvenil, uma vez mais, na tentativa de dar voz às crianças e aos jovens. Respondendo de forma direta: não me quero adaptar. Quero quebrar-me e aprender. Isso é notório no que escrevo e nos géneros literários que vou explorando.
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Regressaste à poesia em novembro transato com a publicação de “Essência - Uma História de Punk Blues”. Podes falar-nos um pouco deste recente projeto?
Contrariando o que algumas resenhas têm transmitido, este projeto não tem de forma alguma um cariz religioso. Essa confusão é, de facto, fácil de acontecer, uma vez que menciono muitas vezes Deus e o Divino, porém, de forma alguma, quero transmitir algo de carácter religioso. Aliás, para mim a religião está ultrapassada. Acredito no Divino e em Deus, mas isso não tem, necessariamente, de me identificar como religioso ou de rotular o livro de religioso. Sou crente e tenho fé, não o escondo, mas não identifico Deus da mesma forma que a doutrina Católica Apostólica ou que a doutrina Cristã Protestante. Para mim, Deus é uma ideia, uma forma de ser e de estar que se baseia nas normas morais, procurando emergir o mais humano que há em nós, sendo que o humano é o equilíbrio entre o animal e o racional. Diariamente o que tenho percebido é que se beneficia a exaltação do animal e se recalca o racional, o que se traduz na subversão da humanidade. (Não estou esquecido que as normas morais do mundo ocidental se baseiam nos princípios morais do Cristianismo, mas também não estou esquecido do Concílio de Niceia. Se escolhas foram feitas para que se uniformizasse o Cristianismo é porque várias interpretações existiam.) A Essência é uma tentativa clara de elucidar o leitor relativamente ao mundo em que hoje vivemos e de instigar a questionar o que se têm como uma verdade universal. É exortar a voltar aos princípios mais básicos da racionalidade. A Essência é também, tal como o subtítulo indica, uma história. A história do processo de inquisição perante questões que, enquanto autor, entendo ser pertinentes e como tal, torna-se também, uma crítica social. Não sou insensível, pelo que está envolta em muitos sentimentos que acredito serem transversais a todos nós. É Punk porque é revolta e é Blues porque é também tristeza.
Como têm reagido os leitores face ao teu trabalho?
Tanto quanto me tem sido transmitido, os leitores identificam-se bastante. Com este novo trabalho, tenho recebido uma projecção diferente, não é em larga escala, porém permite-me ter uma ideia clara daquilo que corre na cabeça dos leitores ao sentirem as minhas palavras. Tenho recebido várias críticas positivas e, acima de tudo, tenho percebido que este trabalho tem atingido o seu propósito, estimular o pensamento crítico.
Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Não vou privilegiar nenhum livro. Prefiro criar um livro na minha mente através de uma obra musical. Para isso privilegio “A Arte das Musas”, o álbum mais recente dos Expensive Soul. E se pudesse escolher mais, escolheria “O Monstro Precisa de Amigos”, Ornatos Violeta; “Virgem Suta”, dos Virgem Suta; “Mingos e os Samurais”, Rui Veloso e o álbum “Brothers in Arms”, dos Dire Straits. Não consegui resistir…
Se tivesses de escrever num género diferente, a qual desafio te proporias?
Curiosamente, já o fiz. Teatro. Com muita pena minha não consegui que, no grupo de que faço parte, esse projeto fosse adiante. Escrevi e já estávamos em ensaios, sendo que nessa fase do grupo, eu tinha assumido como encenador, mas o grupo na sua génese não está voltado para texto. É um grupo muito vocacionado para a transmissão através do improviso e da interpretação corporal, o que também é algo bastante original e interessante. Se pudesse voltar a activar esse projeto, entregar-me-ia de cabeça. Neste grupo, espero que o nosso encenador volte. Para mim era uma pessoa extremamente qualificada para um grupo com esta natureza, um homem com uma sensibilidade extraordinária.
O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Neste momento estou a colher os frutos da obra recentemente lançada. Eu gosto de absorver e depois transmitir. Esta é a fase de absorver, mas posso prometer que novos projetos haverão. Poderão ou não estar ligados à escrita e à poesia. As ideias fluem constantemente e ao terminar o livro já estava a idealizar um novo projeto, tendo já feito alguns convites que foram aceites. O público pode certamente esperar novas ideias, livros e projetos que promovam a o pensamento, a cultura e a arte.
Descreve-te numa palavra:
Arrojado.
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