Ulisses, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita?Iniciei-me na escrita, penso que ao descobrir Eugénio de Andrade. Foi através da sua poesia que descobri esta necessidade de escrever, pela identificação da sua forma de escrita. Por um lado pela limpidez e depuração, e por outro pela profundidade com que ele vê as coisas.

São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles com que mais te identificas?
Os sentimentos com que mais me identifico? É sempre difícil falar em causa própria, mas diria; a nostalgia, o reviver, a saudade do futuro, a ânsia do passado.

O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
O que a escrita mudou em mim, e o que tenho aprendido, penso que terá sido a capacidade de aprofundar a introspecção, o olhar para dentro ruminando os sentimentos, esmiuçando as sombras, os medos, as incapacidades. A capacidade da catarse.

E enquanto escritor, o que tens aprendido?
A escrita para mim tem-se assumido, como uma necessidade, tal como refiro no meu último livro, escrever é essencialmente e assumidamente para mim, um acto de sofrimento. Quando não suportas mais o sofrimento, escreves. Quando não aguentas mais o sofrimento, paras de escrever. No intervalo ficam as palavras como lágrimas.

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Digamos que é uma necessidade premente de passar do monólogo ao diálogo, receber e dar, como acto de partilha. Não esqueçamos que a origem do assassínio é a falta de diálogo, a incapacidade de transformar o monólogo em diálogo, em partilhar. Quando dois homens não foram capazes de o fazer, o resultado foi Cain matar Abel.

Iniciaste-te na edição em 1996 com o livro “Manhã Inacabada ou a Vereda da Memória” e não paraste desde então. O que te motiva a escrever?
O que me motiva a escrever é esta necessidade que acabei de exprimir, o grito, a palavra, a tentativa de preencher o vazio.

Sobre que temas te debruças para criares os teus livros?
O medo do olvido e a infância, penso que são os temas mais recorrentes.
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Depois de publicares dez livros, alguns em coautoria, regressaste à edição em outubro de 2019 com a publicação do livro “Kõue Mõis ou o Caminho de Regresso a Casa”. Podes falar-nos um pouco sobre esta obra?

Kõue Mõis ou o Caminho de Regresso a Casa, é a história de um Pai à beira do desespero pela ausência dos filhos. Como dizia Sofia de Mello Breyner, a poesia é uma perseguição do real, um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa. Neste caso, é traçado à volta do desespero, é um livro sobre o desespero e sobre a angústia, um livro sobre a solidão, sobre o pavor do olvido, sobre a dor, é um grito mudo. E uma vez que o personagem não fala com ninguém, é um livro sem palavras. O personagem apenas se limita a decifrar as sombras, a gerir o sofrimento, a ansiedade, a ausência.

Qual foi a reação dos leitores face a esse projeto?
O feedback que tenho recebido tem sido muito positivo, tem havido muita identificação com o objecto Livro e com o personagem.

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Se só pudesse ler um livro para o resto da vida, ou seja se todos os livros desaparecessem, e eu pudesse ficar só com um, seria seguramente a Bíblia, ela contém todos os livros. Ou seja, a partir daí podiam-se reescrever todos os livros.

Se tivesses de escrever num género diferente, a qual desafio te proporias?
Não me vejo a escrever outro género diferente da Poesia/Prosa poética.

Tens algum projeto na manga que possas desvendar?
Ainda não há outro projecto na manga, ainda estou a ruminar, a usufruir, a depurar Kõue Mõis.

Descreve-te numa palavra:
Para me descrever; mais uma vez é difícil ser juiz em causa própria, numa palavra…talvez: Inquieto.