Ulisses, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita?Iniciei-me na escrita, penso que ao descobrir Eugénio de
Andrade. Foi através da sua poesia que descobri esta necessidade de escrever,
pela identificação da sua forma de escrita. Por um lado pela limpidez e depuração,
e por outro pela profundidade com que ele vê as coisas.
Os sentimentos com que mais me identifico? É sempre difícil
falar em causa própria, mas diria; a nostalgia, o reviver, a saudade do futuro,
a ânsia do passado.
O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
O que a escrita mudou em mim, e o que tenho aprendido, penso
que terá sido a capacidade de aprofundar a introspecção, o olhar para dentro
ruminando os sentimentos, esmiuçando as sombras, os medos, as incapacidades. A
capacidade da catarse.
E enquanto escritor, o que tens aprendido?
A escrita para mim tem-se assumido, como uma necessidade,
tal como refiro no meu último livro, escrever é essencialmente e assumidamente
para mim, um acto de sofrimento. Quando não suportas mais o sofrimento,
escreves. Quando não aguentas mais o sofrimento, paras de escrever. No
intervalo ficam as palavras como lágrimas.
Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Digamos que é uma necessidade premente de passar do monólogo
ao diálogo, receber e dar, como acto de partilha. Não esqueçamos que a origem
do assassínio é a falta de diálogo, a incapacidade de transformar o monólogo em
diálogo, em partilhar. Quando dois homens não foram capazes de o fazer, o
resultado foi Cain matar Abel.
O que me motiva a escrever é esta necessidade que acabei de
exprimir, o grito, a palavra, a tentativa de preencher o vazio.
Sobre que temas te debruças para criares os teus livros?
O medo do olvido e a
infância, penso que são os temas mais recorrentes.
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Depois de publicares dez livros, alguns em coautoria, regressaste à edição em outubro de 2019 com a publicação do livro “Kõue Mõis ou o Caminho de Regresso a Casa”. Podes falar-nos um pouco sobre esta obra?
Kõue Mõis ou o Caminho de Regresso a Casa, é a história de
um Pai à beira do desespero pela ausência dos filhos. Como dizia Sofia de Mello
Breyner, a poesia é uma perseguição do real, um poema foi sempre um círculo
traçado à roda duma coisa. Neste caso, é traçado à volta do desespero, é um
livro sobre o desespero e sobre a angústia, um livro sobre a solidão, sobre o
pavor do olvido, sobre a dor, é um grito mudo. E uma vez que o personagem não
fala com ninguém, é um livro sem palavras. O personagem apenas se limita a
decifrar as sombras, a gerir o sofrimento, a ansiedade, a ausência.
Qual foi a reação dos leitores face a esse projeto?
O feedback que
tenho recebido tem sido muito positivo, tem havido muita identificação com o
objecto Livro e com o personagem.
Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Se só pudesse ler um livro para o resto da vida, ou seja se
todos os livros desaparecessem, e eu pudesse ficar só com um, seria seguramente
a Bíblia, ela contém todos os livros. Ou seja, a partir daí podiam-se reescrever
todos os livros.
Se tivesses de escrever num género diferente, a qual desafio te proporias?
Não me vejo a escrever outro género diferente da
Poesia/Prosa poética.
Tens algum projeto na manga que possas desvendar?
Ainda não há outro projecto na manga, ainda estou a ruminar,
a usufruir, a depurar Kõue Mõis.
Descreve-te numa palavra:
Para me descrever; mais uma vez é difícil ser juiz em causa
própria, numa palavra…talvez: Inquieto.
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