António, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita?
A escrita de ficção acompanha-me desde pequeno.
Escrever sempre foi para mim um prazer. Eu e um amigo, por volta dos dez ou onze anos, escrevemos um conto policial. Mais adiante, na adolescência, voltei a redigir uma narrativa, desta vez um conto com um fundo histórico: passava-se durante a segunda invasão francesa, na aldeia minhota de Covide! Mas depois houve um interregno de algumas décadas, até estarem reunidas as condições de maturidade e de confiança em mim próprio para avançar para a escrita de uma obra como “Também há Cores na
Escuridão”.

São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles
com que mais te identificas?
O primeiro que me ocorre é o de empatia. Quem escreve, na minha forma de ver, é alguém que não se limita a descrever o próprio umbigo, é alguém que olha em seu redor e se tenta colocar no lugar dos outros. É alguém que pode dar voz àqueles que não a têm, que pode chamar a atenção para questões importantes, problemas com os quais os leitores se possam identificar. Quem escreve não muda o mundo, como é óbvio. Mas se conseguir levar um leitor que seja a questionar-se, a ponderar outra forma de ver o
mundo, já pode ter dado um pequeníssimo contributo nesse sentido.

O que é que a escrita mudou em ti enquanto pessoa?
Essa é uma pergunta de difícil resposta. A escrita é um dos traços definidores daquilo que sou, hoje em dia. Penso que tive primeiro de ir crescendo, enquanto pessoa, vivendo experiências, boas e más, felizes e dramáticas, até chegar o momento de a escrita ocupar este espaço na minha vida. Já a publicação da obra acabou por dar origem a uma cadeia de acontecimentos surpreendentes: pude conhecer pessoas fantásticas, ligadas ao mundo das letras e não só, e esses encontros transformam-nos sempre um bocadinho, enriquecem-nos.

E enquanto escritor, o que tens aprendido?
Tenho aprendido imenso, porque metade do ofício de escrever consiste em pesquisar.
Para a ficção ter credibilidade e verosimilhança, no meu ponto de vista, tem de assentar num retrato da realidade suficientemente fidedigno. Assim, ao preparar o pano de fundo para as minhas histórias, acabo por aprender imenso e descobrir que continua a haver um mundo infinito de camadas de conhecimento ainda desconhecidas para mim.
Descubro a minha ignorância!

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Escrever é algo que me motiva e diverte, mas definir isso como um passatempo seria menorizar o meu compromisso com a escrita. Entre as três definições propostas, só poderia selecionar a segunda. Mas o termo mais adequado talvez não seja tanto “necessidade”, mas sim impulso para escrever. Mesmo de forma inconsciente, quando uma intriga se começa a desenhar dentro da mente, abre-se necessariamente o tempo da escrita. Na minha experiência, é a história que abre a porta a mostrar que quer ser
contada que puxa pelo escritor, e não o contrário.

És professor de Português, portanto, esta área tem influência na tua escrita, correto? Se sim, de que forma?
Tem, sem dúvida, muita influência. É algo que me angustia, a forma como a grande maioria dos jovens se tem vindo a afastar dos livros, do prazer da leitura. Enquanto professor, no ensino da literatura, tento sempre mostrar aos meus alunos a dimensão estética das obras de arte literárias com que se deparam, a genialidade dos grandes autores da nossa língua. Mas não se ensina ninguém a gostar de ler. Eu tento demonstrar que a leitura de ficção desenvolve inúmeras capacidades em nós: permite-nos conhecer melhor a nossa língua, o nosso mundo e esse ser complexo e extraordinário que é o ser humano. Sei que há alunos que o primeiro livro que leram foi o meu: se isso os motivou a continuar a ler, a ganharem hábitos de leitura, já me sinto recompensado.



Em junho transato publicaste a tua primeira obra, Também Há Cores na Escuridão. Podes falar-nos um pouco sobre esta obra?
A obra surgiu num contexto particularmente dramático, a nível familiar. Durante o mês de Setembro de 2020, a minha sogra, devido à progressão acelerada de uma doença terminal, esteve internada nos cuidados paliativos. Ela era uma mulher extraordinária, uma alma transparente e generosa, era impossível não se gostar dela. A minha esposa, nesse período derradeiro, passava os dias no Hospital, ao seu lado, e eu achei-me completamente só em casa, durante algumas semanas. O impulso de escrever esta obra surgiu nesse momento. Surgiu como forma de catarse ou de evasão, perante a dor de perder alguém tão marcante.

O que te inspirou a escrevê-la?
A ideia inicial, que esteve na base do título escolhido para a obra (“Também há Cores na Escuridão”), era a de transmitir uma mensagem de esperança: mesmo quando tudo ao nosso redor parecer estar a ruir, é preciso acreditar que melhores dias virão. A esperança nunca deixa que a escuridão seja completa. Assim, na narrativa que redigi primeiro, coloquei-me na mente de um homem que está prestes a desistir da vida, mas a que o destino troca as voltas. Na segunda narrativa, desafiei-me a mim próprio a encarnar numa personagem feminina e então inspirei-me no início de vida da minha mãe, que deixou a casa familiar para ir trabalhar para uma família rica da cidade, ainda criança. A partir desse pontapé de saída, dei largas à imaginação e surgiu a ficção.

Como correu o processo de escrita desta obra?
O processo foi bastante rápido. Costumo dizer, a brincar, que foram três meses para escrever e seis para publicar. O livro é composto por duas narrativas: escrevi primeiro “Homem ou Não”, que posso definir como um misto de suspense e drama, e comecei a enviar o original para algumas editoras, curioso de ver qual seria a recetividade. Entretanto, enquanto aguardava resposta, fui avançando para a segunda narrativa, “A menina que não chegou a existir”. Ao todo, foram três meses intensos, de escrita e
reescrita, que culminaram na reunião de ambas as histórias no mesmo livro. O processo de escrita tem algo de obsessivo e exige um foco total da nossa parte.

Como têm reagido os leitores perante o teu trabalho?
Esse tem sido o elemento mais recompensador em todo este processo. Posso verdadeiramente afirmar que não esperava reações tão espontâneas e emotivas à minha obra. Vários leitores confessaram que não contiveram a emoção e verteram algumas lágrimas nos momentos mais comoventes. Outros disseram que, depois de começarem a ler, não conseguiram parar até chegar ao fim. Concluíram a leitura em
dois ou três dias, ansiosos por conhecer o desfecho. Mas marcou-me especialmente a leitora que, quando acabou de ler o livro, lhe custou a deixá-lo: apeteceu-lhe voltar ao início e ler tudo de novo.

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Essa é uma questão muito injusta! Pelo menos, deveria ser colocada no sentido de poder optar apenas por um autor (o que, mesmo assim, já era terrivelmente limitativo!). Como professor de Português, se tivesse de optar pelo conjunto de uma obra de um dos nossos maiores escritores eu escolheria Saramago, autor de tantas e tão inspiradas obras literárias. Para mim, “Memorial do Convento” é o romance do século XX.

Se tivesses de escrever num género literário diferente, a qual desafio te proporias?
De momento, o único género literário que me desafia é o romance. Creio que é uma forma literária muito completa: permite o desenvolvimento do carácter das personagens, o levantamento de questões existenciais, a abordagem de acontecimentos históricos que não devem cair no esquecimento, o sinalizar de questões importantes para a nossa sociedade e, sobretudo, permite contar uma história. Por mais fascinante que possa ser o estilo de um autor, na minha ótica, o que leva o leitor a querer devorar página atrás de página é a história que é contada. É esta que tem de prendê-lo ao livro: captar-lhe a atenção, de início, e mantê-lo interessado, até ao fim.

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Do futuro é muito difícil falar, porque não nos pertence. Os planos que fazemos têm a estabilidade de um castelo de areia junto às ondas. No entanto, uma coisa posso garantir: a escrita de ficção é algo que me alicia. Quando estou a vogar dentro da “bolha criativa” o tempo passa a correr. Por outro lado, iniciar uma nova obra é sempre um enorme desafio, um teste que nos põe à prova. Assim, enquanto considerar a escrita como um prazer desafiante, continuarei, por certo, a trilhar este caminho.

Descreve-te numa palavra:
Trabalhador. A inspiração, pouca ou muita, dá um trabalho imenso.