Renata, sê bem-vinda a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita?
Muito prazer também por estar aqui e fazer parte deste espaço. Uma honra conhecê-los e também a seus leitores. Obrigada pelas perguntas. Procurarei respondê-las com o máximo de clareza e sinceridade.  Minha trajetória na escrita começou ainda na infância. Sempre gostei muito de ler e a leitura nos leva a imaginar, sonhar e eventualmente escrever. Minha avó era uma contadora de história. Natural da Alemanha, trouxe em sua memória os maravilhosos contos dos Irmãos Grimms, Andersen e outros. Contava-nos do seu jeito, sempre acrescentando detalhes e misturando-os as suas experiências pessoais . Do lado português conheci Camões, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa,  Julio Ribeiro e Julio Diniz. Desse último possuíamos um volume especial de “As Pupilas do Senhor Reitor”, uma edição primorosa, ilustrada em aquarela, que acredito hoje seja muito rara. Eu adorava contemplar esse livro mesmo antes de saber ler. Com todo esse incentivo floresceu em mim o ímpeto para escrever. Comecei com pequenas poesias que recitava na escola e pequenos contos que inventava em família. Aos 11 escrevi uma aventura espacial que foi apresentada e elogiada pelo Conselho Educacional do bairro em que morava. A tenho datilagrofada até hoje. Após isso fui me envolvendo em outros campos. A literatura passou a ficar um pouco para trás devido a necessidade de trabalhar e conduzir outros projetos.

São inúmeros os sentimentos que nascem no âmago do escritor. Quais aqueles com que mais te identificas? 
É verdade. É impossível ao escritor ficar isento de sentimentos no momento em que escreve. Me identifico com aventuras, coragem, bondade, superação e persistência. Me envolvo com o caráter e as decisões dos personagens. Esses sentimentos vão brotando aos poucos e indicando os caminhos. As vezes, por causa disso, o personagem toma um destino diferente daquele que inicialmente lhe teria dado.

O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
De fato o exercício da escrita dá muitas oportunidades de transformação. Posso testemunhar sobre três coisas essenciais que precisei trabalhar em mim: disciplina, foco e amadurecimento. Nunca me faltou imaginação e criatividade, mas faltava disciplina e método para concluir as ideias. As vezes surgem tantas ideias diferentes que se não houver foco, fogem e se perdem como fumaça ao vento. Esse é um aspecto que tenho sempre cuidar. O esforço tem me tornado uma pessoa bem mais disciplinada e metódica e, com isso, diversas outras áreas da minha vida são também beneficiadas.

E enquanto escritora, o que tens aprendido?
Tenho aprendido que a melhor referência para uma boa história é o que você armazena por dentro: seu caráter, seus sentimentos, sua visão de mundo, suas expectativas, sua relação com o mundo e com as pessoas e sua memória, seja familiar ou de infância. É preciso um bom recheio interior para brotar uma boa história, para que ela faça sentido, especialmente para você mesmo. Toda obra de arte é uma forma de dar ao mundo algo de si. Minha maior ambição é dar coisas boas, que foquem o melhor da humanidade.

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Trata-se de uma necessidade interior. Uma forma de fazer brotar saberes, percepções, sonhos e expectativas acumuladas. Também marcada por saudade, tristeza, decepções e alguns arrependimentos, mas sempre um caminho para mudar, para fazer algo diferente, promissor e novo. Durante a idade adulta, tratei a escrita como algo eventual, um passatempo, porque tinha afazeres que julgava mais importantes. Esses afazeres também incluiam escrita, especialmente acadêmica, mas não resultavam de coisas que brotavam de mim. Hoje, um de meus maiores arrependimentos é lhes ter conferido tanto tempo e importância.

Nasceste no Rio de Janeiro e viveste até à idade adulta numa zona oeste carioca. Que impacto teve esta realidade na tua carreira como escritora?
Não muito porque sempre me coloquei na perpectiva de estar em conexão com o mundo. Em criança sonhava com viagens,  lia livros sobre diferentes países, aventuras históricas e fantasias. Destoava bastante da maioria da família e amigos. Não gostava de televisão e só usava rádio para ouvir música. Criava trilhas sonoras para leituras e sonhos e eles eram tão grandes e emocionantes que os programas de TV, daquela época, ficavam pequenos e sem graça. Sempre busquei janelas que me projetassem para além da minha realidade pessoal.

És socióloga e doutora em Educação. Esta área teve alguma influência na tua escrita?
De certa forma sim mas, foi exatamente após me afastar desses campos que obtive fluidez suficiente para concluir o livro agora em lançamento. As Ciências Sociais é um campo árido, penoso, de leituras densas e questões que o colocam em face aos grandes problemas da humanidade: fome, miséria, exclusão, competições e violência. A busca para soluções desses problemas é um desafio constante que às vezes leva à exaustão. Claro que todo esse cabedal de conhecimento tem influência sobre sua visão de mundo, decisões e escolhas. Por outro lado, o campo da educação é uma oportunidade de colocar em prática algumas teorias, mas você corre um grande risco de se tornar didático pelo resto da vida. Acho que o didatismo em excesso não é muito bom para o escritor. Complica a fluidez da narrativa. Por isso escolhi me afastar desses campos para conclusão dessa obra. Procurei evitar traços que revelassem ou impusessem alguma ideologia ou um paradigma social  filosófico. Não sei se tive sucesso total. Pois sei o quanto esses modelos se imprimem em nossas vidas, comportamento e modo de pensar.

Praticas meditação e esta está intimamente ligada à tua escrita. O que te levou a enveredar por este caminho?
Vejo a meditação como um caminho para acessar o próprio interior. Então creio que enveredei por ele para encontrar a mim mesma em meio a todas as referências, crenças, costumes e conhecimentos que acumulava desde o exterior, seja pela criação familiar, educação, influencia midiática ou religiosa. A partir dessa leitura é possível escolher o que se afina com você mesmo, o que você quer preservar e o que se transforma em lixo. Dessa equação emerge o material de origem das suas criações e sonhos.  Meditar é também um exercício contemplativo. Conhecer essas técnicas facilita  ao escritor contemplar sua obra, a trajetória dos personagens, as conexões, os desafios e assim, decidir os rumos. 


Em maio transato publicaste o teu primeiro livro “Muito Além do Fim do Mundo”. Podes falar-nos um pouco sobre ele?
Já publiquei outras obras no âmbito acadêmico, mas “Muito Além do Fim do Mundo”  é, de fato, minha primeira obra literária propriamente dita. Trata-se de uma aventura que retrata a busca pessoal de um personagem na direção do “Paraíso.  O “Paraíso”, em questão,  pode ser visto como um “lugar” propriamente dito, passivel de ser encontrado e acessado fisicamente ou um estado interior,  uma metáfora sobre o  encontro consigo mesmo, suas próprias razões, medos, dúvidas, angustias e esperanças. Envolve algumas referências místicas e religiosas, como o simbolismo do centro, a figura lendária do Pássaro Simorgh, a Montanha de Káf, referências à Rainha de Sabá e suas conexões secretas e esquecidas com o Rei Salomão. O que tudo isso tem a ver com o Paraíso? São relações que vão se construindo ao longo da leitura e observadas pelo ponto de vista dos personagens. Todos estão no mesmo caminho, na direção de um mesmo objetivo, só que com percepções e tempos diferentes. 

Como surgiu a ideia para escrever esta obra?
Iniciei esse livro a pouco mais de dez anos. Eu ainda atuava como professora de ensino superior e estava ingressando no doutorado. Mas, a  semente da ideia surgiu ainda na pré adolescência quando eu tinha o hábito de criar pequenos poemas. Certo dia minha mãe recitou um deles para o dentista que nos tratava, já falecido. Era exatamente assim: 
“É tão lindo o horizonte,
Que me faz pensar,
O que há de haver tão longe,
Tão longe, além do mar?”
Lembro que o dentista segurou no meu queixo e falou:
‘É Deus, minha menina, que irás lá encontrar.”
Isso ficou na minha memória e se transformou numa semente que acabou germinando. “Muito Além do Fim do Mundo é o fruto dessa ideia, desse sentimento que tive e tenho, sempre que olho o horizonte, combinado à resposta direta e incisiva do nosso dentista. 

Como têm reagido os leitores face ao teu trabalho?
A distribuição do livro iniciou a muito pouco tempo, mas, ainda assim tive alguns retornos. A maioria reportou apreço e envolvimento com os personagens relatando sentir saudades dos mesmos na conclusão final. Alguns entendem que é uma aventura que não foi concluída e, portanto, pedem uma continuação. Já outros me cobraram um final romântico (rsrsrs)

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Acho que já revelei minha preferência pela fantasia então, provavelmente, escolheria “O Senhor do Anéis” mas ficaria muito contrariada em escolher um livro só. Com certeza teria muitas dúvidas. 

Se tivesses de escrever num género diferente, a qual desafio te proporias?
Livros com personagens ou eventos históricos.

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Penso seriamente na segunda parte de “Muito Além do Fim do Mundo”. As ideias já circulam em minha cabeça e os personagens já estão se agitando. Também tenho outras ideias iniciadas que pretendo dar seguimento. Tudo depende do tempo e do que o futuro me reserva. Mas, certamente, podem contar com novidades.

Descreve-te numa palavra: Idealista