Verónica, sê bem-vinda a este espaço. É um gosto
poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para
começar: Como é que te iniciaste na escrita?
Nunca pensei que algum dia
escrevesse um livro, confesso! No entanto, os incêndios de 2017 e a forma
traumática como a minha filha mais velha vivenciou o de Pedrogão Grande ( em
junho) e depois, em outubro a destruição
da sua aldeia e de parte do Concelho de Pampilhosa da Serra, despertaram em mim
a vontade de passar uma mensagem positiva a todas as crianças que viveram
acontecimento idêntico.
Qual o sentimento que te
domina quando escreves?
Escrever
este livro terá funcionado como catarse do acontecimento experienciado! Eu
estava ausente de casa quando o fogo devastou a aldeia onde vivo, a 5
quilómetros da Vila de Pampilhosa da Serra! As minhas filhas de 6 e 3 anos
estavam em casa com o pai e avós. Mas passaram o momento da devastação apenas
na companhia da avó. O pai estava a apoiar a comunidade. A mãe na Vila a ajudar
no acolhimento da população evacuada!
Quando dei conta que o fogo ia em
direção à nossa aldeia já era tarde demais para avisar alguém!
Julgo que só na apresentação do
mesmo, que decorreu em Pampilhosa da Serra, no dia 15 de dezembro é que dei
conta de que tinha vivido também, pessoalmente, uma situação traumática!
O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
Apenas
escrevi este livro e não sei se algum dia embarcarei na aventura de escrever um
novo livro! Se o fizer terá de ser nesta lógica: um livro que conta uma
história real e que transmita mensagens positivas!
E enquanto escritora, o que tens aprendido?
Não me considero escritora, mas sim autora de um
livro que surgiu de um acontecimento difícil comum a muitos portugueses! Este livro é também um projeto familiar!
Antes de pensar em publicá-lo, li-o à minha filha, que é protagonista do mesmo,
para saber qual seria a sua opinião. Hesitei quando a vi chorar ao longo da
leitura do mesmo. No final, a decisão foi dela!
E depois contei com o apoio de
amigos mais próximos com quem partilhei as primeiras versões, do Município de Pampilhosa
da Serra que apoiou as ilustrações feitas pelo Marco Silva, Professor no
Agrupamento de Escolas de Pampilhosa da Serra que quis o acaso que eu
viesse a conhecer e ele aceitasse fazer parte desta história ilustrando o
livro.
Como definirias a escrita na tua vida: um
passatempo, uma necessidade, um acaso?
Foi mesmo um acaso! Após este
acontecimento a minha filha e outras
crianças Pampilhosenses foram apoiadas
por um Psicólogo na Escola, o Dr. Marco Martins, para avaliar o seu estado psicológico e fiquei
aliviada quando soube que a Camila estava bem! Pensei em tudo o que tinha
passado com ela após os incêndios de junho. A minha filha ficou mesmo
traumatizada porque se apercebeu de tudo, das mortes inclusivé. Para além do
facto da aldeia onde vive ter sido evacuada nessa altura e de eu ter estado a
trabalhar quase em contínuo sem possibilidade de estar com ela. Durante os
meses que se seguiram a minha filha ficava alarmada e em pânico sempre que ouvia
falar num fogo. Generalizou o medo, faltou nos dias em que o programa de tempos
livres tinha visita aos Bombeiros, e até uma falha de eletricidade era um
problema! Mas eu não desisti e também nunca escondi a possibilidade do fogo
destruir a sua aldeia. Mas dei-he a segurança que os adultos tudo farão para a
proteger, em especial o pai que já tinha
sido Bombeiro. Tudo iria correr bem!
És assistente social e, portanto, lidas com
inúmeras realidades, muitas vezes desconhecidas da maioria da população. Esta
formação tem algum impacto na tua escrita?
Teve muito impacto! A minha primeira
ideia era fazer um livro de memórias! Ouvir as pessoas e contar em discurso
direto a Sua história! Dar um rosto e vida às histórias que fui ouvindo após o
incêndio! E o mais curioso é que todos achavam que o seu sofrimento tinha sido
pior que os da aldeia vizinha! Foi difícil para todos no coletivo! Mas a nível
individual foi deveras difícil!
Se algum dia voltar a escrever será
para voltar a contar um história real! E talvez em co-autoria com a minha
colega de trabalho e amiga, Cláudia Almeida, que também colaborou com algumas ideias para este
livro!
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Publicaste em dezembro o teu primeiro livro infantil, “Mamã, Tenho Medo
do Fogo”, um livro baseado na história real de uma menina que viveu os
incêndios de outubro de 2017, em Pampilhosa da Serra. Podes falar-nos um pouco
sobre este livro?
Já fui falando sobre o mesmo nas
questões anteriores! Afinal de contas este é o único livro que tenho publicado!
É um livro muito pessoal, um projeto familiar, mas com uma história que,
infelizmente, é cada vez mais comum aos
Portugueses, em especial às crianças que são obrigadas a viver acontecimentos,
cuja natureza e dimensão, não é possível evitar (ainda que possam ser
prevenidos). Então, porque não falar sobre eles (‘?) e sobre as emoções que
resultam deles (?) e sobre os cuidados a ter com eles (?) e as consequências
que podem ter nas vidas das pessoas(?). Pessoas essas que são os verdadeiros heróis das nossas
crianças, em “contos”que de “Fada” nada têm, mas que têm um pai, uma mãe, um
avô, uma avó, muitos vizinhos e amigos para partilhar e ajudar!
Foi esta a principal descrição do
livro feita no dia da apresentação do livro pela minha convidada especial, a
Professora Dulce Simões, do Instituto Superior Miguel Torga, com quem partilhei
uma das primeiras versões do livro!
O que te motivou a escrever sobre uma tragédia
que recentemente assolou o nosso país?
A complexidade socioemocional do tema e o facto de ser tabu falar sobre ele, em especial a crianças.
E o que te motivou a escrever para o público
mais pequeno?
A protagonista da história é a minha filha mais
velha, na altura com 6 anos de idade! Queria mostrar a todas as crianças a
dureza deste acontecimento numa perspetiva positiva abordando valores como:
amizade, solidariedade e generosidade e lembrando alguns cuidados a ter com o
fogo, fazendo, também, alusão aos heróis de verdade! Por isso a Camila apresenta,
no final da história, os seus heróis e convida os pequenos leitores a desenharem
o(s) seu(s) herói(s). Acredito que este
livro possa ser usado de forma pedagógica por pais, encarregados de educação,
educadores e professores! Tive a experiência da Escola EB1 da Caxieira do
Agrupamento de Escolas Caranguejeira-Santa
Catarina da Serra (Leiria) onde as Professoras do 1.º ciclo trabalharam
a história a partir de imagens levando os alunos a escreverem uma história que
confrontaram com a verdadeira, aquando a minha ida à Escola, na efeméride do 5
de junho - Dia Mundial do Ambiente- tendo sido também trabalhado o tema do
ambiente com a história! Estas Professoras, a quem agradeço o acolhimento, em
especial à Professora Ilda Sousa, mostraram uma forma criativa e pedagógica de
trabalhar o tema dos incêndios através do livro “Mamã, tenho medo do Fogo!”.
Como tem sido a reação dos leitores face a este
projeto?
Tem sido muito positiva! Tenho
proposto levar o livro às Bibliotecas Municipais, em especial aos municípios
que foram atingidos pelos incêndios de outubro! Já houve Câmaras que aderiram à
minha proposta de Hora do Conto com projeção das imagens seguida de atividade
lúdica e sessão de autógrafos. Mas ainda há alguns receios face à temática!
Tenciono fazer um evento com o apoio
da Casa de Turismo Rural – Casa de Santo Antão sita em Padrões ( Pampilhosa da
Serra) onde convidarei os Bibliotecários e os Vereadores da Educação, Cultura e
Ação Social para apresentar o livro e a história que está por detrás bem como o
seu carácter social e pedagógico, desmitificando algumas ideias que possam
ficar com a leitura apenas do título e sinopse.
Se tivesses de escrever noutro género literário, a qual desafio te
proporias?
Talvez um livro de Memórias quando
deixar de ser Assistente Social! Mas exigiria ter já começado a registar algumas
histórias, o que ainda não fiz! Mas já
foi pensado! Considerando a idade da reforma a que somos sujeitos, atualmente, julgo que se começar para o ano a fazer registos
ainda conseguirei um bom volume! (risos)
O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Talvez outro livro infantil.
Descreve-te numa palavra: REBELDE! Como diz a
Psicóloga Vera de Melo no seu artigo “SER rebelde: no
trabalho e na vida” publicado na Revista
RUA são rebeldes as pessoas que “dizem
o que acham, mesmo quando é impopular, não tendo receio de expressar as suas
ideias e pontos de vista, mesmo quando são os únicos a fazê-lo. A sua energia é
desconcertante, mas orientada para a busca da inovação e da produtividade,
visando a evolução e prosperidade (…)”
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