Tiago, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores do blogue, para começar: Já trabalhaste em diversas áreas, desde as telecomunicações à segurança privada e és atualmente analista numa empresa de consultoria de tecnologia de informação, apesar disso, é na escrita que te encontras. Como é que surgiu esta paixão pela escrita?
Sempre tive uma inclinação para criar, desde cedo. Creio tê-lo herdado da minha mãe, que escrevia poesias e passava os dias a cantar o fado enquanto tratava da casa. Como passámos algumas dificuldades e apesar do seu esforço, costumo dizer que fui “criado” numa pequena medida por ela, noutra pela minha avó, e na maior pela televisão J , o que acredito ter ajudado a desenvolver essa imaginação. Mas o ponto de viragem, digamos, foi durante a minha adolescência no final dos anos 90, quando o grunge e o metal me levaram a apaixonar-me pela música. Comecei a tocar guitarra e eventualmente a compôr, e ainda hoje gosto de escrever letras e poemas.

Qual o sentimento que te domina quando escreves?
Isso depende sempre do que estou a escrever. Às vezes dou por mim a encarnar personagens totalmente diferentes da minha pessoa, para assim me despegar de certos paradigmas e sentir total liberdade para seguir determinado rumo. Todavia, acabamos sempre por colocar algo de nós próprios, pois é o que experienciamos que nos inspira. Se descrevo algo violento e me sinto um pouco chocado, então estou a ir bem pois era esse o objectivo. Mas só quando me apercebi que estava a terminar um livro e vislumbrei a hipótese de ser publicado descobri um sentimento novo. “Outras pessoas vão ler as minhas palavras. Irão gostar? O que vão pensar? Estarei a ser politicamente correcto...” etc. Confesso que fui dominado por uma certa ansiedade, mas o feedback tem sido positivo e encaro agora o que senti como “nervos de principiante”.

Tens algum ritual de escrita?
Não tenho tempo para rituais J Trabalho por turnos rotativos e tenho de agarrar as ideias no momento em que surgem. Seja no computador ou no caderno, tenho alguma dificuldade em deixar para amanhã o que posso fazer hoje. O que acaba por resultar em algumas noites em branco. De resto, basta-me silêncio e um bom vinho.

Como concilias a tua vida pessoal, profissional e a escrita?
Com muita resiliência! Ainda não tenho filhos, mas entre tratarmos da casa e dos cães, e os nossos empregos, não resta muito tempo a mim ou à minha esposa para actividades extra.

Trabalhas desde os dezasseis anos. Este facto teve alguma influência na tua escrita?
Inevitavelmente. Fiz cobranças porta-a-porta durante cerca de uma década, antes de trabalhar na área da Segurança Privada. Foram dois empregos que me fizeram lidar com todo o tipo de realidade, todo o tipo de pessoa, extrato social, zona, personalidade...Para além da minha infância, tudo isso decerto contribuiu para a minha forma de estar e, consequentemente, para a escrita.

COMPRAR AQUI

Em maio publicaste o teu primeiro livro “Iníquo”. Podes falar-nos um pouco sobre ele?
É uma história de ficção mas que aborda certas realidades, como a criminalidade, a corrupção e o abuso de poder. Começou com uma ideia sintetizada em menos de uma página que acabou por ficar esquecida há alguns anos. Resolvi desenvolver esse esboço há cerca de dois anos, talvez, e acabei por enviar à editora. É uma história de vingança que reflecte obviamente as minhas influências cinéfilas. A história envolve um grupo de amigos que cresce num ambiente complicado que os obriga a enfrentar todos os obstáculos inerentes. A sua história é afectada por um acontecimento, no passado, que se liga à narrativa do presente, em que seguimos os passos de um detective que investiga uma série de homicídios.

Este livro é do género policial. Escreves sobre violência, corrupção e homicídios. O que te levou a escrever um livro deste género com temas tão fortes?
Estará certamente relacionado com o meu estado de espírito há todos aqueles anos. Ao desenvolvê-lo, tentei manter-me fiel ao conceito original. Ao crescer, fui confrontado com algumas situações um pouco pesadas, no contexto da insegurança que envolve o ambiente em que cresci. Sem dúvida fui buscar alguma inspiração em certas experiências pessoais e, em última análise, talvez precisasse de despejar para o papel alguma revolta, para obter uma certa catarse. Digo isto agora, claro, tentando analisar o que sentia na altura.  Por outro lado, como pseudo-cinéfilo que sou, notar-se-á que retirei daí algumas influências. A violência existe, ponto. Alguns de nós vivem numa bolha social e não são obrigados a confrontar certas situações. A minha experiência pessoal e profissional familiarizou-me com alguns exemplos. A ficção permite-nos uma espécie de purga quando abordamos esses temas. Nem que seja para fantasiarmos por momentos que este tipo de coisas não acontecem...lêem-se.

E como tem sido a reação dos leitores face a este trabalho?
Surpreendentemente positivo. Principalmente entre as pessoas da minha geração. Dizem-me que se identificam com o contexto, com a época. “Daria um bom filme” é uma nota recorrente J . Os pedidos de uma “sequela” também vão chegando, o que me traz uma enorme satisfação.

Quais os temas que gostas de abordar quando escreves, para além daqueles que podemos encontrar na tua primeira obra publicada?
Essa é uma questão muito complicada para mim. Sou o tipo de pessoa que não consegue responder a perguntas como “Qual a tua cor preferida”. Ouço todo o tipo de música, vejo todo o tipo de filme, leio todo o tipo de livro. Desde que me mova de alguma forma. Só não suporto as futilidades apelidadas de “arte” vendidas às massas pela máquina de marketing (O meu “meme” preferido que circula pelas redes sociais tem a frase “Please stop making stupid people famous”). Se encontro um tema do qual me apetece escrever, faço-o, bem ou mal. Dito isto, Pelo menos de momento, não estou definido como escritor, relativamente a géneros. Tanto me apraz literatura ficcional como histórica, ou ambas, policiais, filosofia...Como autor, a maior parte da minha energia foi até ao momento dedicada à música.

É verdade que, apesar de o teu primeiro livro ser um policial, também escreves poesia?
Não tanto como outrora, mas é algo que faz parte de mim. É uma forma pura de expressarmos o que nos vai na alma sem nos prendermos a conceitos por norma incontornáveis, como a lógica ou a razão. Não sei se neste momento diria que “escrevo” poesia ou se “escrevi”. Mas nunca sei se o Eu de hoje concorda com o Eu de amanhã J

Já realizaste outros trabalhos no âmbito da escrita? Quais?
Este é o meu primeiro trabalho publicado. Normalmente, quando crio, crio para mim. O sentido de criar é dar forma aos nossos pensamentos e fazê-lo traz-me um sentimento de dever cumprido. Claro que todos gostamos de obter validação externa, mas acredito piamente que a quem temos de agradar é a nós próprios. Amigos e conhecidos que admiram a minha escrita pedem-me ajuda aqui e acolá para os seus trabalhos, mas este é o meu primeiro manuscrito ”oficialmente” divulgado.

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Voltamos à minha natureza indecisa J É muito difícil tirar um título da “cartola”, pois sei que quando vir esta entrevista vou pensar se não deveria ter dito outro...Mas estou tranquilo em destacar “O Alquimista” de Paulo Coelho. Consegue tocar-nos a um nível tão profundo com uma escrita simples e agradável. Quando me pedem para recomendar um livro, é sem dúvida dos nomes que me surgem em primeiro lugar.
Como previsto...estou aqui a pensar em mais um ou dois e agora estou cheio de ansiedade a pensar no qual deveria eleger...próxima questão, por favor!

Pensas em publicar novamente?
Por enquanto estou a digerir todo este processo. Escrever, escreverei sempre, para mim. Mas conhecendo-me e sabendo tudo o que tenho cá dentro...estou inclinado para o “sim”.

Se tivesses de escrever noutro género literário, a qual desafio te proporias?
Gosto de histórias que nos fazem pensar sobre a natureza humana, a dualidade moral, a vida, a morte, o amor, o ódio. Penso que seria nas redondezas destes temas. Algo de espiritual, filosófico...que nos faça pensar e questionar.

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Como referi, sempre criei e sempre gostei de criar. Agora tive um vislumbre deste “mundo”, dos processos, dos passos a seguir. Agora será difícil não pensar em continuar, mas não me vejo a cingir-me unicamente ao mesmo género. Vamos ver o que o futuro reserva.

Descreve-te numa palavra:
Abstrato.