Helder, seja bem-vindo à nossa rubrica Veia de Escritor, na qual promovemos entrevistas inéditas com autores nacionais, e cujo propósito primordial é fazer com que as suas palavras alcancem novos leitores.
Para começarmos, eis a pergunta que se impõe, como é que nasceu o gosto pela escrita?
O gosto pela escrita foi uma faceta que surgiu sem eu mesmo o saber, tal como o gosto pela leitura que em mais novo nem eu sabia que gostava. Mas a verdade é que em descobrindo o tema (literatura fantástico) criou em mim a vontade para ler mais, encontrar novas histórias e procurar novos autores dessa mesma temática.
A escrita surgiu pela curiosidade de querer ver um resultado para uma ideia antiga. Lembro de em criança criar enredos nas minhas brincadeiras; lembro de mais tarde ficar fascinado pelos jogos de RPG’s medievais que tinha para o computador; e essa ideia foi fortalecida pela forma como a escola explorava a minha parte criativa: com as suas composições de tema livre ou com os seus parágrafos dos quais tínhamos que dar continuidade a um evento; e até mesmo mais tarde por uns artigos de opinião que tive oportunidade de publicar. Tudo isto, levou-me a pegar num caderno, e visto como um hobbie, começar a redigir aquilo que achava ser uma boa história (ou pelo que achava ser interessante e que eu próprio gostava) de literatura do fantástico.
Sabemos que se formou em gestão. Como concilia a vida profissional com a sua paixão pela escrita?
“…ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção.” – José Saramago.
Esta frase constava no programa da Feira do Livro do Funchal em 2021; evento onde estive presente a apresentar o meu segundo volume e ao ler isto vi resumido tudo o que foi o meu percurso até então como escritor. E centra-se numa palavra que é: exigência.
Infelizmente ainda não me é possível viver da escrita. Acredito que chegará esse dia, porque igualmente acredito em mim e no que escrevo, mas até lá chegar há que conciliar com uma vida profissional e tudo isso consome tempo e energia. No meu caso, acresce o facto de não conseguir “produzir” em casa, pelo que a minha inspiração apenas surge num qualquer espaço público, mais em específico nos cafés. Logo, ao fim de um dia de trabalho é preciso exigência de mim para me deslocar até lá; exigência para escrever no pouco que resta do dia e do horário do estabelecimento; exigência porque ao mesmo tempo é uma necessidade para mim enquanto pessoa.
Não é fácil, confesso. Olhando para trás; para lá da capa e da paginação concluídas, existe muita exigência para aquilo em que se acredita; e igual exigência para corresponder a quem já o espera de mim: um novo livro.
Há a tendência para se acreditar que um escritor escreve sobre si, o que, na maioria das vezes, não é verdade. No entanto, a sua escrita é meramente ficcional ou inspirada nas suas vivências?
Escrevemos sempre sobre nós. Não existe uma linha que não tenha como base o nosso estado de espirito e o que somos nesse dia, mesmo aquelas linhas que não são escritas.
Por mais dragões ou magia que constem nesta escrita ou por mais caricaturada que sejam as personagens têm sempre como reflexo aquilo que o nosso redor representa para nós.
Nesta saga, levantando o véu da minha ficção existe todo um rol de pessoas importantes; pessoas de menor relevância; locais que estimo; e até mesmo quem não conheço e que apenas está no mesmo espaço que eu a beber o seu café.
Publicou em 2013, O Templo de Borkudan, o primeiro volume de uma saga de literatura fantástica, Crónicas de Tellargya. Pode falar-nos um pouco sobre este título?
Depois de perceber que a literatura fantástica era o tema para mim, já tive a oportunidade de ler muito. E sempre gostei, ou achava interessante, aquele “mini-spoiler” na capa que sabia vir a estar refletido no conteúdo do livro.
Claro que o título só me surgiu no final de escrever “O TEMPLO DE BORKUDAN”, mas tinha estipulado que o havia de ser com um nome de clara evidência do fantástico.
Quanto ao conteúdo, e após ter escrito outros dois volumes e considerando que foi um volume onde eu nunca imaginava um dia chegar a autor publicado, vejo nesta obra a intro ou mesmo o prólogo para a aventura propriamente dita.
É uma história onde dou a conhecer a origem de Helzar e Drinus, incógnitos das suas próprias personalidades, ainda que por diferentes razões. E daí vemos Helzar, um mago algo revoltado pela vida estagnada e sedento por reconhecimento e poder.
Perdido nesses desejos, o feiticeiro vê a sua aldeia atacada por uma entidade que remonta às origens de Tellargya, raptando-lhe a irmã e lançando o jovem para uma aventura, na companhia de um peculiar dragão, rumo ao Templo de Borkudan; enfrentando pelo caminho alguns desafios.
Como surgiu a ideia para a escrita desta obra?
Esta ideia surgiu quando achei que tinha as ferramentas necessárias para o efeito. Não havia data prevista, nem tão pouco o fazia prever, mas a forma como ia vendo reconhecido alguns projetos de ordem criativa, nomeadamente no meu período escolar, achei que devia experimentar passar para o papel algo que já tinha idealizado.
Eu tinha em mente esta saga no seu início e sei como quero o seu final; eu já conhecia as personagens a quem queria dar forma, e por isso bastou fazer-me acompanhar por um caderno e tratar de escrever algumas linhas nos meus períodos livres e preencher esta história com um meio.
E vendo hoje, depois de editadas as obras que resultaram numa novidade/desafio para mim que foram os convites para projetos em coautoria e na boa resposta dos leitores que me deram uma oportunidade, sei que fiz bem em escutar as vozes das pessoas que estiveram ao meu lado e me disseram para arriscar no mundo editorial.
Seguiu-se A Asa da Consequência e, recentemente, Grilhetas da Apatia. Como está a ser a receção dos leitores diante destes lançamentos?
A receção, felizmente, está a ser positiva. Eu acredito nesta história, na sua saga e nas suas personagens, que por vezes, nas minhas alturas de menor inspiração me ajudam em sentido contrário e criam para elas novos enredos. Com a A Asa da Consequência consegui a minha intenção que era “entrar” a profundo no mundo da fantasia épica: com a criação de uma equipa rumo a demandas paralelas; com novos seres e díspares entre si, mas com um objetivo comum; e conflitos maiores do que aquele que envolve a personagem principal.
Grilhetas da Apatia, o meu mais recente livro, aplico na íntegra aquilo que é o mote desta saga: “Uma épica batalha em que se cruza o desejo de fazer o que é certo e o que é certo fazer”. Ou seja, passamos a ver as personagens confrontadas com dilemas interiores. Aquilo que as torna humanas; nas suas dúvidas entre desejos pessoais e o prescindir de nós mesmos em prol do bem a fazer.
E acho que é isso, esta componente humana que aplico na minha escrita, que faz com que seja de fácil atração para esta história do fantástico.
Em suma, sinto-me satisfeito por de uma forma geral conseguir passar uma ideia daquilo a que me tinha proposto.
Quais são os seus projetos para o futuro? Os leitores poderão contar com novas obras e dentro do mesmo registo ou prepara algum desafio?
Os projetos para o futuro passam por dar um fim à história de Helzar e dos seus companheiros. Como leitor do fantástico, e que detestava estar anos à espera do próximo volume, sinto, agora como escritor, que não devo também fazer esperar o leitor pelos próximos capítulos. Claro que sem apressar nem prejudicar a qualidade do que escrevo, e igualmente dividido entre a vida profissional e a escrita, mas procurar sempre ser o mais célere.
Em termos de desafios, este projeto em si já me proporcionou novas oportunidades como trabalhos em coautoria: Extrassensorial, um trabalho que reunia vários autores ou Entre Monstros e dragões que contava com escritores do fantástico, mas confesso ter em “gaveta” um trabalho na área do suspense/terror narrado na primeira pessoa. Porém, apenas e só quando concluir a saga das Crónicas de Tellargya.
Qual a mensagem que gostaria de partilhar com quem nos está a ler/ver?
Creio que a mensagem principal seria: espero que gostem. Acima de tudo, esperamos, como escritores, que apreciem o nosso trabalho; que o divulguem; que falem dele.
Mas também, como mensagem, que permitam uma oportunidade a esta saga e à própria escrita como um trabalho em português. Hoje em dia os meios são tão acessíveis como um “like” ou um “follow” e isso reflete-se num alcance maior e a possibilidade de chegar a um novo leitor interessado.
Temos bons escritores do fantástico e ótimas histórias, que se num cenário estrangeiro seriam já refletidas apostas. Pessoalmente, vejo neste meu trabalho, a certeza de que o leitor se irá identificar sempre com algum evento ou personagem, porque acima da ficção, projeto uma forte componente humana em cada linha que escrevo sobre aquilo que nos carateriza como indivíduos e que são: as nossas escolhas.
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