Fernando, sê bem-vindo a este espaço. É um gosto poder conhecer-te melhor e apresentar-te aos seguidores deste espaço, para começar: Como é que te iniciaste na escrita? 
É um gosto estar neste espaço e conversar um pouco sobre esta aventura. Quando era adolescente e já no início da minha atividade profissional tive a sorte de frequentar a casa de um grande escritor português, infelizmente já falecido, e que muita falta faz à cultura portuguesa, o Rui de Brito, que fazia o favor de ser meu amigo. Nessa altura de transição da sociedade portuguesa, os jantares e os fins de semana eram passados em tertúlias de escritores, onde participavam nomes como Vasco de Lima Couto, Alexandre O´Neill, José Ramoa, e tantos outros. Sempre pensei que aquelas pessoas tinham o dom especial de criar sonhos, ficções, despertar sentimentos … sempre ambicionei ser como eles (não me quero sequer comparar com o nível de excelência que atingiram) … Um dia queria ser também escritor. Entretanto surgiu a minha vida profissional muito absorvente, como médico, e esta compulsão ficou apenas latente, até que depois de ganhar mais tempo para mim, despertou e de que maneira … sou um compulsivo da escrita. Costumo dizer que “engravido dos meus livros”. As ideias surgem, passam um período de gestação, e têm partos rápidos, umas vezes mais dolorosos que outros. Posso explicar mais adiante.

Qual o sentimento que te domina quando escreves?
O sentimento fundamental é o de realização pessoal. É um processo de relativa ansiedade, quando descobres que os teus personagens ganham vida própria, e algumas vezes são rebeldes. Acaba por ser um processo muito místico … não é raro reler o que acabo de escrever e não perceber bem como escrevi aquelas letras e aqueles desenvolvimentos da história. Escrevo diretamente para o computador, quando escrevo … alguns dias ele olha para mim, eu para ele, e não sai nada … outros são 10 horas de escrita.  

O que é que a escrita mudou em ti, enquanto pessoa?
Tenho 63 anos. Comecei tarde na escrita, embora tenha publicado anteriormente contos em coletâneas, nomeadamente Monami resultado da minha atividade como voluntário da Assistência Médica Internacional. A escrita estava há muito latente … a Medicina molda mais as pessoas que a vivem intensamente. A escrita acaba por ser o reflexo do somatório de muitas … imensas e enormes experiências. Respondendo concretamente à pergunta, em acho que eu moldei a escrita. 

E enquanto escritor, o que tens aprendido?
Saindo deste contexto minimalista e muito pessoal, o que tenho aprendido como escritor é que isto está difícil. Mergulhei num meio que me está a dar muitas alegrias e também muitas desilusões. O panorama atual da Cultura portuguesa é mau. As dificuldades são enormes. A submissão a interesses económicos impera. Não é o meu caso, porque ganhar dinheiro com a escrita nunca foi um objetivo. Os direitos de autor da 1ª edição de “Rua dos Remédios” foram doados ao Centro Cultural Dr. Magalhães Lima em Alfama (onde decorre o enredo do livro) e os de “Carlota e os dragões de Madrid” estão reservados para um departamento pediátrico de um hospital de Lisboa. Sempre que leio Jorge de Sena mais acho genial o termo literocambada que usa no poema “Provavelmente”. Concordo em absoluto . Existem muitos lobbies e muitas forças de pressão. Irritam-me os livros de auto-ajuda e de coachers … Não me interessa nada saber as opiniões mastigadas de algumas figuras públicas … mas é o que se vende. Se calhar escolhi mal os títulos das minhas primeiras obras. Em vez de “Rua dos Remédios” devia ter escolhido “A vida sexual em Alfama nos anos 40” .
Mas tenho encontrado neste meio pessoas de uma dimensão fantástica … Adelina Barradas, Maria João Fialho Gouveia, e tantos outros. Um dos pontos mais altos desta vertente de escritor vivi na Festa do Livro do Palácio de Belém deste ano. Bom ambiente em prol da Cultura. Está de parabéns a organização.

Como definirias a escrita na tua vida: um passatempo, uma necessidade ou um acaso?
Nenhuma destas. Acaso não é, passatempo também não … passatempo tira a seriedade da coisa … necessidade talvez a que melhor define … necessidade de partilhar … necessidade de contribuir.

Iniciaste-te na publicação em maio do presente ano com o romance,  Rua dos Remédios. Podes falar-nos um pouco sobre esse livro?
Tenho de confessar já que sou um “autor malandro” e não posso contar tudo sobre um romance de ficção histórica que tem de ser lido sequencialmente da primeira palavra à última. Saltar capítulos ou começar pelo fim é batota. Rua dos Remédios é a primeira ucronia escrita em Portugal, e como ucronia que é não deve ser recomendada como bibliografia sobre a 2ª Guerra Mundial … se o recomendarem a um estudante para um trabalho na escola é chumbo garantido. Não resisto a contar a história de um colega meu, que abriu o livro a meio, fez um ar de espanto e disse-me “não sabia que esta personagem histórica tinha sido assassinada na Praça do Comércio”. Eu aviso na nota introdutória.
O que te inspirou a escrever uma história cuja ação decorre em Portugal na época da 2ª Guerra Mundial?
A 2ª Guerra Mundial e a Guerra Civil de Espanha foram dois factos que marcaram muito a História da Humanidade, e os seus reflexos ainda hoje se manifestam. Houve uma altura da 2ª Guerra em que Hitler “embriagado” palas conquistas que o trouxeram até à fronteira franco-espanhola foi aconselhado a conquistar Gibraltar, ponto estratégico da guerra para os britânicos. Para cumprir os objetivos tinha de atravessar território espanhol. Franco que havia feito um pacto Ibérico com Salazar, de defesa da península, não colaborou com Hitler apenas porque foram as desmesuradas regalias que pediu aos alemães em troca de permitir que o exército alemão atravessasse terras de Espanha do norte ao sul. Hitler rejeitou as contrapartidas e decidiu concentrar-se nas conquistas mais a leste. No final da vida confessou que não ter investido sobre Gibraltar foi o seu maior erro. Os historiadores andam há anos à volta deste assunto, mas nunca ninguém se atreveu a pensar “ E se Hitler tomasse Gibraltar … e invadisse Portugal? E foi assim que nasceu a minha necessidade de viajar até esses anos (viagem difícil e quase bipolar quando escrita em 2018/2019) e descrever os possíveis cenários da pequena história .Grande História é o lançamento de uma bomba atómica sobre Hiroshima … pequena história descreve o que passou com aquele chefe de família japonês quando a bomba rebentou.
Este livro foi engravidado no Alentejo, no Monte dos Pensamentos onde fui passar uns dias. Já o bichinho da escrita estava o roer, quando soube que estava alojado na casa onde Ruben A passava férias com Miguel Torga … havia algo que me estava a indicar um caminho, e cheguei a Lisboa compulsivo de escrita.

Carlota e os Dragões de Madrid é, contudo, a tua obra mais recente, lançada em setembro. Podes desvendar-nos um pouco da sua história?
Carlota e os Dragões de Madrid é um livro infantojuvenil. Ou seja, este autor não tem um estilo exclusivo. Mas é o resultado de outra gravidez … esta a bordo de um avião … eu vi de facto imagens que me pareceram dragões … e fiz uma história para crianças … Não há grandes segredos. Os meus livros são meus filhos … gosto igualmente dos dois. Nada a fazer.

O que te motivou a escrever para o público mais jovem?
Curioso que Carlota e os Dragões de Madrid é muito apreciado pelos adultos que o leem … mas é dirigido a crianças. Tem algum misticismo … eu tenho muito de misticismo … mas o que diferencia a nível cerebral o impacto de uma história numa criança ou num adulto?  “As pessoas crescidas nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante, para as crianças, estar sempre a dar explicações” Antoine de Saint- Exupéry – “O Principezinho”. 

Este livro está a ser traduzido para espanhol. Como estás a viver essa experiência?
Com muita curiosidade. Como obra derivada vai ser uma nova edição. A tradução está feita, e vou publicar na Amazon. Vamos ver, mas como a história se passa em Espanha, talvez algum editor espanhol ou da América Latina se interesse. Vamos ver.

Como foi a reação dos leitores face a este projeto?
Os leitores portugueses estão a aderir bem … gostam da história. Aqueles que sabem que o livro existe. Pode pensar-se que estou a insistir na temática dos dragões, mas eu vi do avião … Existem? Se existirem no livro nada têm a ver com os dragões da moda. Se não existirem … então não há dragões em Madrid, mas há compromisso, solidariedade, respeito pela natureza. Mas existem ou não dragões em Madrid?

Continuas a trabalhar noutras obras? Como é que vives a escrita?
Publicar dois livros no mesmo ano é tarefa dura, e estrategicamente errada. Podem “colidir” um com o outro, e interferirem na sua divulgação. Como têm públicos alvo diferentes conseguiu-se que não houvesse este efeito. Mas o terceiro está na forja. Metade está já escrito, e a gestação em curso normal … mas é outro estilo … este é aquilo que gosto num livro … atual e uma “canelada que vai até ao osso” do establishement. Mais não revelo para já.

Se só pudesses ler apenas um único livro para o resto da tua vida, qual seria o privilegiado?
Já se pode brincar na relva, de Rui de Brito. Num alfarrabista ainda se consegue adquirir.

O que é que os leitores podem esperar de ti para o futuro?
Muito trabalho, imaginação e obras com qualidade.

Descreve-te numa palavra:
Tenaz.